quinta-feira, 29 de março de 2012

Sou Daqui ou de Lá!

Os espaços das cidades são lugares onde nos permitem uma série de práticas artísticas. É através de relatos de espaços que podemos perceber que existe nelas duas classificações: Os lugares fixos e os lugares não especificados por acções de sujeitos históricos. Luciane de Siqueira diz que um movimento sempre condiciona a produção de um espaço e o associa a uma história, na qual nesse entendimento, haveria uma diferença conceptual de “espaço” e “lugar”. O lugar seria uma ordem segundo a qual se distribuiriam elementos nas relações de coexistência, sendo que duas coisas não podem ocupar o mesmo lugar. O espaço existe quando se torna vectores de direcção, de quantidade de velocidades e a variável “tempo”. Portanto, o espaço é o lugar praticado. Por exemplo, a rua é um espaço para os pedestres. (CERTEAU, 1994:203).
Vou percorrer, superficialmente, por alguns trabalhos realizados por alguns artistas, onde está presente o diálogo entre o lugar e o espaço dentro dos discursos sociais, políticos e culturais. O trabalho mais recente nesta leitura, é a instalação “Mafalala Blues” realizada por Camila de Sousa. Está patente no Centro Cultural Franco moçambicano.
A instalação é uma recriação do bairro de Mafalala, da história de Noémia de Sousa e da sua casa. Estes ocuparam um importante papel na história política, desportiva e cultural de Moçambique. Transportam memórias de um lugar perdido no tempo e no espaço. Segundo Camila de Sousa à casa de Noémia de Sousa e o bairro de Mafalala serviram de palco para história de resistência de inúmeros líderes políticos e culturais do movimento nacionalista moçambicano.
Na instalação, o espaço que representa à “Casa do passado” esta fixada uma das fotografias tiradas por Ricardo Rangel em 1957 na cidade de Lourenço Marques. A foto intitulada de “Sanitários. Onde só o negro poderia ser servente e só o branco era homem”. A metáfora das portas e das inscrições “serventes” e “homens” representam para Ricardo Rangel a divisão social e racial imposta pelo regime colonial.
Para Marcos Muthewuye os lugares podem ser espaços de troca permanente de identidade. Apresentou na exposição “Olhares e Experiências: Outros Territórios” um trabalho intitulado “Donde Sou? Sou Daqui ou de Lá!”. Este trabalho representa a troca, a perda e o ganho. Representa as experiências nos espaços do outro e do encontro com o passado. Marcos Muthewuye diz que com este trabalho pretende estabelecer uma nova abordagem com o espaço regional e com a sociedade contemporânea de hoje, a que todos somos chamados a fazer parte, directa ou indirectamente, a partir do local. Vino Mussagi tem outras preocupações com seu trabalho. Fotografa lugares nos espaços.
A fotografia é uma prática de captação estética que estimula a contemplação das relações formais entre os espaços de representação e os espaços de acção. É um registo de condição social humana.
Gemuce observa o comportamento dos homens e as soluções alternativas no jogo da vida. Em “Globalização na faixa de rodagem”, trabalho apresentado em varias exposições, Gemuce capta particularidades do dia-a-dia dos citadinos de Maputo e os define como improvisação dos homens para suprir pequenos obstáculos da vida quotidiana e prática. O improviso tem como base à “consciência mecanizada” condicionada pela necessidade de comprimento de regras criadas à partir de comprimento de metas pré estabelecidas de sobrevivência.
O chapa 100 se torna um espelho de uma sociedade condicionada ao improviso pelo crescimento rápido, sem alternativas e meios que respondem a uma evolução global das sociedades. É mais um elemento na sociedade que se pode libertar e receber energias variáveis, dependendo dos lugares que passa, que se destina, da quantidade de utentes que transporta e das horas que se faz circular. Nesta instalação se pode ouvir a conversa dos utentes e podermos perceber que o chapa 100 não é somente um espaço de constrangimentos, de violação de códigos de estrada, desrespeito aos passageiros e não cumprimento das rotas de destino, mas um espaço onde as pessoas se podem socializar, fazer negócio, ouvir música, fazer amizades e reencontrar pessoas amigas.
Gostaria de referir as fotografias da Deirdre Watson. Elas trazem um olhar sobre a grandeza da arquitectura através dos pequenos detalhes que as compõe. Leva-nos a contemplação e experimentação visual em relação aos elementos da comunicação visual como a perspectiva, as reflexões, a luz e sombra, as texturas, os planos, as formas geométricas, a verticalidade e a horizontalidade. Deirdre Watson traz fotografia de uma arquitectura limpa, vazia, calma e fria. O caus urbano, o fluxo das pessoas, os “barulhos” e toda poluição dá lugar ao silêncio e a frieza do diálogo. O ser humano apesar de estar lá presente se torna ausente. Deirdre Watson teve o cuidado de eliminar toda a imagem humana que transita ou que habita nesses espaços. E quando elas são retratadas, aparecem partilhando o espaço fotográfico através das suas sombras e relações proporcionais dos detalhes arquitectónicos.
Elas tornam-se imagens de espaços comuns que mexem com universos individuais aprisionando-nos a uma estética e funcional.
Para terminar, vou me referir à exposição de fotografia de Carlos Goldgrub apresentada no Centro Cultural Brasil Moçambique intitulada de “São Paulo - Um Retrato Urbano” com curadoria de Dirce Carrion. As imagens em preto e branco dos outdoors colocados nos edifícios da cidade de São Paulo, fizeram da cidade o suporte da fotografia.
Carlos Goldgrub trouxe a imagem da cidade de São Paulo vazia, calma e fria. Nos comerciais aparecem fotos de modelos, políticos, jogadores de futebol, que têm uma presença constante nos mídia. As imagens vendem um ideal de beleza, imposta pela indústria de cosméticos, vestuário, cinema, de objectos. A surdez que estas imagens nos passam é conseguida pelo cuidado que o fotógrafo teve em não incluir o texto ou marca do produto em causa e as pessoas que habitam ou que passam pela cidade. Estas imagens tornam-se em espaços comuns e mexem com universos individuais aprisionando-nos a uma ditadura da imagem perfeita do homem.(Jorge Dias)

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