quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Carta que vai aberta a um amigo


Que é Ministro da Cultura
E aos outros que se seguirão.

Meu caro Armando Artur, poeta sophiano com espelhos nos dias e também electricista nas horas vagas, quando tinhas por cargo os sonhos, os livros e um amor que valesse tudo isso. Deste lado que te escrevo, com a frontalidade com que me conheces, deste lado em que ainda percorremos todas as viagens que fizemos por dentro e pela poesia, pela arte e com a arte, pela procura e pelos desencontros, saúdo-te a alegria da amizade, a ternura sólida da cumplicidade e as muitas horas que juntos, todos nós, operariamos na dor.
Desses momentos em que nos abrigamos no calor de cada um, eu, tu, xico, o Savedra, o Chissano, o Panguas, o Muteia, mesmo quando a lenha nos cozinhava em casa a fome, a incerteza, o amor frágil mas verdadeiro, as parcas moedas filhas inominadas do nosso trabalho, mesmo quando a todos faltava certezas e nos incansávamos de arquitectar objectivos, eu abraço-te com a amizade, a honestidade, a sinceridade e, sobre tudo isso, com a nossa incurável simplicidade.
Sei que da excelência da poesia passaste à excelência da responsabilidade ministeriável, da austeridade governativa, da rigorosidade de homem de Estado e que a teu lado, acoitados e quase envergonhados, ainda teimam visíveis o irremendável poeta que te canta e que julgo que ainda acreditas, o pescador dos barcos das tuas derivas, o amigo incendiário do silêncio e da sussurada opinião e, também, o homem que aprendeste a ser cedo, o filho do longe que és e o pai responsabilizado que assumiste. Porém, ao lado deles todos, sei que se insiste aquele Armando lírico, aquele vira-lata boémio, aquele estudante industrial, chegado de Lichinga, gordo só na barba, e beje e castanho na sua escolar farda.
Nunca te saudei um cargo que não fosse o que a utopia te deu, o que o patriotismo te pediu como intelectual e lavrador de presentes, como pensador e estivador de futuros. A estes, em todos os momentos, te felicitei porque não os mereceste por confiança e competência, mas por vocação, talento e feliz fatalidade. A estes não os aceitaste nem por consulta, nem por conselhos, mas, creio eu, por herança, por lealdade e, acima do de mais, por destino. Fico feliz se tiveres disso consciência e irremediávelmente triste, desarrumado e consternado se fôr o contrário o que confirmares admitir.
Em todos estes anos de amizade, com as grandes e necessárias perturbações e desastres que devem ter a camaradagem e a irmandade, é bom saber, agora, que o destino permitiu-te teres nas mãos as ferramentas para o trabalho que julgas necessário se deva fazer em prol da cultura e que em nome dela tantas e inúmeras vezes te testemunhei insurgido contra os que tinham e não o faziam e contra os que não fazendo se conformavam.
Vens das dificuldades, caro amigo, das dificuldades que são inerentes a quem tem a arte como pão e, simultaneamente, é o pão que a arte tem como alimento. Vens do átrio dos fazedores, dos construtores e desconstruidos, vens da súmula dos sacrifícios em seu nome, dos que sabem que a cultura não foi, não é e nem nunca será uma patente que premeie a tranquilidade, o equilíbrio ou a estabilidade para fortuna de quem na vida é seu sujeito. Por essa razão, cabe-te o discernimento de perceberes que o cargo que aceitaste para exercício é-te importante a incontornável consciência de o exerceres com desígnio, honra, robustez e uma permanente atenção de que nele não vais dirigir, mas dirigires-te, não vais orientar, mas procurares orientar-te, não vais fazer, mas procurar quem te ajude a fazer, não vais descobrir, mas inovar o que está descoberto e da melhor e da mais dignificante maneira procurares preservar.
Um dos primeiros objectivos, a meu ver, de um ministro da cultura, um dos seus mais importantes deveres, é lutar para que ela não falte ao governo que ele integra. Velar para que cada acto de Estado seja sempre um acto de cultura à luz da soberania de um país e dos seus cidadãos, para que cada acção governativa seja ou procure ser uma acção de cultura em prol do respeito, da verdade às causas do futuro e da prosperidade de uma Nação. Afinal, o direito à Cultura, é um dos mais importantes direitos consagrados na nossa constituição. E aos poderes cujos constitucionais deveres primeiros são o de protegê-la e fazerem-na respeitar é-lhes inerente a superior responsabilidade de a terem
Tudo isto, meu caro poeta, para te dizer que há muito trabalho para se fazer pela Cultura no nosso País. Muito trabalho que não foi feito, muito trabalho que não tem sido feito e, pelos vistos, muito trabalho que se não fará, por este andar.(EDUARDO WHITE)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Telenovelando

“EL Caminhante” é o nome da telenovela mexicana que marca a estreia do actor moçambicano Dias Santana em seriados de televisão, lado a lado com actores do México, Brasil e Cuba. Santana esteve aproximadamente dois meses no estado brasileiro de São Paulo, no Brasil, nas gravações da novela. De regresso ao país, Dias Santana conversou com o “Notícias” e contou a sua experiência adquirida naquele país tropical das Novelas, do Samba e do Futebol. A telenovela “El Caminhante” aborda a questão da imigração ilegal na América Latina. Nela, o actor moçambicano interpreta o papel de um emigrante ilegal cubano que trabalha numa casa nocturna em São Paulo que alberga e ajuda imigrantes ilegais. Como resultado da sua actividade, o actor é preso e, por consequência, acaba se submetendo a uma vida miserável.O actor moçambicano participa nesta novela depois de ter sido seleccionado num teste aquando da participação do seu grupo, pela segunda vez consecutiva, no Festival Internacional de Teatro denominado “Circuito de Teatro em Português”, que decorreu de 7 a 22 de Setembro nos estados brasileiros de São Paulo e Bahia.Dias Santana disse que uma simples participação no casting já significava uma grande oportunidade para ele, porém, foi o teste mais complexo que teve que fazer na sua carreira como actor.“Tive que representar, dançar, cantar e desfilar para provar o meu talento ao júri. Mas o que mais me interessava era sair de cabeça erguida e representar condignamente o meu país”, conta o actor.Dias Santana, disse não fazer ideia de quantos actores participaram na selecção, recordando-se apenas que envergava a faixa com o número três mil e catorze e que foi o único africano a ser escolhido.O actor afirma que a sua participação constituiu um momento para aquisição de experiência, uma vez que trabalhou com actores mexicanos e brasileiros de renome, com os quais aprendeu muito e teve a oportunidade de divulgar o talento e o nome de Moçambique para lá das nossas fronteiras. Concluídas as gravações de “El Caminhante”, a telenovela será exibida no Brasil e no México, o que para Santana, constitui motivo de orgulho e tristeza. Orgulho porque o seu trabalho poderá ser visto, discutido e apreciado no estrangeiro. E tristeza, pois nem todos os moçambicanos poderão ter o privilégio de ver a sua actuação.Antes de participar neste seriado mexicano, o actor moçambicano esteve durante o mês de Novembro no Estado brasileiro de Salvador, na Bahia, no festival “A Cena Tá Preta”, cujo objectivo é incentivar e divulgar a arte feita por negros e/ou com temática negra.Dias Santana foi convidado a discursar neste evento e também no dia 20 de Novembro, “Dia da Consciência Negra”, tendo falado do impacto e feitos dos artistas nacionais e africanos no geral para a mudança da mentalidade.Igualmente aproveitou o momento para falar do seu grupo teatral Lareira, que, repetidas vezes, esteve no Brasil a participar em festivais internacionais de teatro.O grupo Lareira é composto por dois elementos, nomeadamente Dias Santana e Sérgio Mabombo, e notabilizou-se no mundo das artes cénicas com a peça “A Cavaqueira do Poste”, que retrata a crise financeira mundial sob o ponto de vista de dois mendigos portadores de deficiência física e mais recentemente por “Cinzas Sobre as Mãos”, que aborda a tragédia contemporânea das guerras que abalam o mundo.O actor de “El Caminhante” disse  que, apesar de todas as contrariedades, que passam pela falta de apoio às artes cénicas por parte das instituições de direito, entre outras, o ano 2012 foi positivo. Como exemplo, cita o facto de ao fim de dois anos de sua criação, o grupo “Lareira Artes” ter conseguido estar presente, em nome de Moçambique, em três continentes (África, Europa e América) a participar em festivais internacionais de teatro. Curiosamente, nesses três continentes, o seu grupo cruzou países de expressão portuguesa: Angola, Portugal e Brasil.Santana destaca, por outro lado, quatro ganhos principais, designadamente a distinção de “grupo de maior impacto” no festival “Periferias”, em Sintra, Portugal”. Segundo, a participação na Telenovela “El Caminhante”. Terceiro, o facto de ele a título individual ter levado dois grupos de dança contemporânea moçambicanos, nomeadamente, “CIA Independente” e “ “Grupo Horácio Macuacua” ao festival “A Cena Tá Preta”.Por último, a oportunidade de ter tipo mais participações no estrangeiro do que em Moçambique, o que permitiu fazer maior divulgação da cultura do seu país no estrangeiro.  Para o presente ano, o “Lareira Artes” tem em manga uma nova peça ainda em fase de ensaios e acabamentos. O grupo pretende ainda alargar ainda mais o intercâmbio com actores da diáspora, e não descarta a possibilidade de convidar grupos estrangeiros para conhecerem Moçambique.Dia Santana serviu-se para lamentar o facto de não terem feito um único espectáculo no seu próprio país por falta financiamento aos grupos para terem acesso as casas de teatro e a escassez de festivais de teatro a nível a nível nacional.(V.SAQUENE)