segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Ainda Ao Meu Irmão Carlitos

Mano

Envolveram-te em chumbo

como se blindada

a tua voz de vez se calasse.

 

Mas tu estás aqui

nas minhas palavras

nos meus gestos

no meu sorriso.

 

Continuas vivo

para além do chumbo

e da terra coalhada de cruzes.

 

Lembras-te

de quanto odiávamos a injustiça?

Lembras-te

de quanto odiávamos os mortos inúteis?

Hoje

és mais um entre eles.

 

Na Malanga

alguns dos teus e meus grandes amigos

desapareceram para sempre.

 

Partiram ao teu encontro

sem balas no corpo

mas bem recheados de bacilos e álcool.

 

O sítio onde crescemos

morreu também.


Pás escavadoras roubaram todos os trilhos

e na próxima primavera

não haverá mais malmequeres

na ladeira de Minkokweni.

 

Restarás apenas tu com a minha voz.

 

Calane da Silva

Lourenço Marques, 20 de Outubro de 1945 — Maputo, 29 de janeiro de 2021