sábado, 28 de abril de 2012

Tagumanicanave,,,

Búzi e Beira, dois dos três distritos de Sofala que já apuraram os seus representantes para a fase provincial do VII Festival Nacional da Cultura, destacam-se na competição com a cinematografia no conjunto das expressões através das quais pretendem representar Sofala em Nampula. Búzi, além da dança tradicional Mukapa, pintura, teatro, música ligeira, música tradicional e passagem de modelos, apurou para a competição, a ter lugar de 19 a 20 de Maio próximo, na cidade da Beira,  um documentário. Beira também vai concorrer na mesma categoria artística, com um trabalho  produzido pela Associção Anadjira. A sua participação compreende igualmente dança tradicional, música coral, passagem de modelos, teatro, música ligeira, poesia, gastronomia, pintura, humor, artesanato, escultura, moda, fotografia e música tradicional.Caia, no âmbito distrital,  foi o último distrito a escolher os seus representantes, ao realizar o festival no domingo. Este participará com as danças tradicionais utse e valimba, música coral, artes plásticas, passagem de modelos e teatro.Chemba far-se-á presente com as danças tradicionais valimba de Kuanguissana e Nhacapine, música coral e poesia.As danças que Marínguè apurou foram nhampine e valimba, e deverá apresentar também teatro e poesia.Marromeu far-se-á presente com utse de Nensa, no que diz respeito à dança tradicional, e música ligeira. Também exibirá teatro.De Cheringoma virão as danças djagadja, utse e massesseto. O distrito apresentará também teatro, gastronomia, artesanato, fotografia, poesia e humor.Muanza apresentará apenas duas expressões, nomeadamente dança (chicuzire e utse) e música ligeira.O distrito de Gorongosa apurou as danças tradicionais utse, Golomondo e Mapaza, para além de que tocará Valimba. Trará ainda música ligeira, poesia e teatro.Nhamatanda terá como pratos fortes a dança ndhocodho de Lamego, passagem de modelo, teatro, gastronomia, música ligeira e escultura, e o distrito de Muanza apurou também as danças Chicuzire e utse, e participará ainda com a expressão de música ligeira.De  Machanga vem a dança Semba, teatro, humor e poesia.  Chibabava far-se-á presente com dança makwai, música tradicional, teatro, artesanato e música ligeira.O distrito do Dondo levará consigo as danças tradicionais utse, xigubo e valimba, para além de música ligeira e escultura.A cidade da Beira, que irá acolher a fase provincial do VII Festival Nacional de Cultura em Sofala, é a que participará com maior número de expressões nesta etapa. Apurou três grupos nas categorias de dança tradicional, nomeadamente Tagumanicanave, Malelambeu e Alto da Manga, que dançarão utse, ndhocodho, entre outros estilos. Foram apurados ainda grupos de música coral, teatro, passagem de modelo, música ligeira, poesia, gastronomia, pintura, humor, artesanato, escultura, estilista, fotografia, filme e música tradicional.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

“koisan”

Na tentativa de controlar a pressão vinda do intestino grosso, correu como uma légua para o local onde se marca cantos e, sem tempo de se cobrir com a capulana, abriu as pernas e, sem ajoelhar, baixou a saia do guarda-roupa e “zás”, libertou-se do inferno natural e nem teve tempo de se desembaraçar da sujeira. O público festejou.
Estávamos numa missão atípica, de levar as populações à importância de preservar o meio ambiente como um dos recursos vitais para o desenvolvimento sustentável de Moçambique. A caminhada já tinha passado por várias províncias desta Pérola do Índico, a terra de gente pacífica, de homens rodeados de paisagens belas, praias intermináveis, floresta em constante devastação, assim como pelo “explorador” que o recebemos de mãos abertas.
Nessa tarde de calor intenso, com os olhos vermelhos pela dureza do sol, pisámos pela terceira vez o campo do Ferroviário de Gondola, província de Manica, uma infra-estrutura que se degrada a olhos vistos e todos, de barriga cheia, reclamamos falta de campos. Que desperdício!
Dizia que nos encontrávamos naquele campo que outrora foi um cartão de visita, e as bancadas estavam superlotadas de gente ávida em ver os corpos a esmolecer ao som dos batuques e ritmos misturados, que representavam a dimensão cultural da pátria amada.
De tangas e saias meticulosamente preparadas pelas mãos de Domingos Mbochana e seus pares, entrámos num palco improvisado para chamar o povo de Gondola à atenção com a natureza, com a coreografia “Árvore Sagrada”, obra cozida artisticamente pelo “Feiticeiro Makonde”, Casimiro Nhussi.
Os tambores rufaram na imensidão da tarde gloriosa, cuja afinação tocou nos corações e nas almas da gente que lotava a plateia. Os cantares dos bailarinos atingiram os céus, que até fizeram a “Cabeça do Velho” erguer os tímpanos e pôr o nariz a dançar Makwai, no seu repouso estático. O espectáculo ia a meio, com o público no silêncio da tarde quente, onde a força dos passos executados pelos bailarinos destruía as latrinas precárias nas redondezas do campo, quando, de repente, o meu “sobrinho”, que se encontrava no palco a representar com perícia o corpo em movimentos tradicionais, saiu do palco e desatou a correr para o centro do terreno. Os colegas que se encontravam no palco em missão divina ficaram atónicos, mas sem parar de dançar. O público, esse, começou a bater palmas efusivamente, para o gáudio dos bailarinos, pois pensavam que aquela ovação fosse para eles. Puro engano!
O meu “sobrinho”, baixinho que até parecia membro da etnia “koisan”, continuava com a sua correria. chegou ao centro do campo, parou, olhou nos lados, qual Messi quando festeja mais um golo, ajoelhou-se, fez sinal de quem quisesse tirar as saias do guarda-roupa da coreografia, desistiu. Correu de novo para uma das balizas do campo, chegou à meia-lua do rectângulo do jogo, parou de novo, voltou a reparar para os lados, tinha colocado as mãos nas suas nádegas. Deu um sinal a um dos colegas, mas ninguém deu atenção, os bailarinos estavam concentrados em “destruir” o relvado do campo de futebol, com as suas “excentricidades” artísticas e, também, construir um mundo verde e puro. Numa correria que só podia ser ultrapassada pelo jamaicano Usain Bolt, o “sobrinho” voltou ao palco, levou uma capulana pertencente a uma das colegas, de novo fez-se ao lado oposto do palco. Na corrida, amarrava a capulana como se de um “mulumuzana” tratasse. O público levantou-se das bancadas, deixou os bailarinos a dançarem para o vazio e seguiu o espectáculo “solitário” do meu “sobrinho”.
Quando chegou à linha lateral, procurou pelos arbustos, nada havia, aproximou-se da árvore que oferecia sombra aos espectadores, que não conseguiram “vaga” nas bancadas, o local não era seguro. O meu “sobrinho” dançava sozinho no palco do sofrimento. A sua barriga tornava-se tumefacto pelo esforço que fazia para conter a ira da convulsão estomacal. Numa decisão cirúrgica, parou diante do público “faminto” em absorver a nova proposta do espectáculo e, perante o olhar “feliz” do povo, deu umas fintas espectaculares, driblou o seu próprio destino, tentou passar a “bola” ao colega ninguém, mas sem resultado. Na tentativa de controlar a pressão vinda do intestino grosso, correu como uma légua para o local onde se marca cantos e, sem tempo de se cobrir com a capulana, abriu as pernas e, sem ajoelhar, baixou a saia do guarda-roupa e “zás”, libertou-se do inferno natural e nem teve tempo de se desembaraçar da sujeira. O público festejou. O “sobrinho” anuiu com os braços no ar, era o “rei” da tarde.
Depois do alívio, o “sobrinho” voltou ao palco e entrou na parte final da espectáculo e os espectadores vibraram, os bailarinos ganharam outra adrenalina, mas o cheiro nauseabundo que inundava o palco fez com que todos artistas colocassem as mãos nas narinas e gritassem como se fosse o princípio da morte. Na apoteose, o público invadiu o palco para pedir autógrafos ao “Messi da dança” e em todas a assinaturas escreveu: a força da dança em tarde de sol quente.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

“O Espelho da Vida”

“A opção pelo colectivo tem inúmeros fundamentos. O primeiro deles é o facto de o cinema ser uma arte absolutamente colectiva, ao contrário de inúmeras outras, como literatura, pintura, escultura, forjadas em exercícios solitários”O título para esta coluna ocorreu-me ao assistir a uma entrevista com o cineasta Manuel de Oliveira, há alguns dias, num canal da tv brasileira.Nela, ele definia cinema com esta frase simples, mas contundente: “ cinema é o espelho da vida”. Possivelmente outros já o definiram de uma forma semelhante. Poucas horas antes, eu havia dado uma entrevista para o programa de Celso Domingos na STV, que este conclui dizendo o mesmo, embora com palavras diferentes. No cinema, para além das vivências dos seus autores, se reflete a vida de todos nós, o que os homens fizeram, fazem ou irão fazer. É nisto que reside a força da mais recente das artes, que conjuga realidade e ficção, que congrega teatro, literatura e música.A coincidência destas definições, num mesmo dia, me emocionou e me fez pensar com mais clareza no que devia constituir esta coluna sobre cinema.A priori, estava acertado com os editores que seria um trabalho colectivo, assumido por um grupo de cineastas moçambicanos com uma história comum e pontos de vista convergentes, sobre a produção nacional e alguma produção internacional. Trata-se de profissionais que há trinta anos actuam juntos, com os seus nomes a compartilharem os genéricos de inúmeros filmes.A opção pelo colectivo tem inúmeros fundamentos. O primeiro deles é o facto de o cinema ser uma arte absolutamente colectiva, ao contrário de inúmeras outras, como literatura, pintura, escultura, forjadas em exercícios solitários. A segunda, decorrente desta, é que se pode dar testemunhos diferentes sobre uma mesma obra em que se participa, o que enriquece a coluna e abre espaço para um debate criativo que tanta falta faz aqui, na nossa área. Não havendo em Moçambique uma crítica especializada em cinema, toda a menção a filmes produzidos aqui ou sobre as produções internacionais, de valor social, cultural ou artístico, se resume a pequenas notas na imprensa sobre os seus lançamentos ou entrevistas genéricas com os realizadores locais a tocarem normalmente na desgastada tecla das nossas dificuldades de cada dia.Nesta coluna não pretendemos assumir o papel de críticos cinematográficos, para o qual não estamos qualificados. Nos assumimos exclusivamente como cineastas do Sul e vamos falar do nosso cinema, da sua história e dos novos filmes, como cineastas envolvidos, como testemunhas, cronistas de “making off”. Vamos falar das obras mas também do que não se vê no ecrã, daquilo que faz parte de uma filmagem, acidentes, incidentes, por vezes cómicos e até ridículos. Destas e de várias outras pequenas coisas que fazem de um filme um “espelho da vida”.Em Moçambique, excepção para o que se pode ver no Dockanema, tem-se pouco acesso actualizado às novas produções internacionais de interesse, aquilo a que chamamos CINEMA, em oposição às produções de carácter puramente comercial, nulas, que muitas vezes degradam a essência do homem, associando-o a uma imagem de violência e instintos básicos. No entanto, vamos trazer informações sobre aquilo a que temos acesso em festivais internacionais, nos quais a produção moçambicana ocupa um espaço cativo. E vamos ter a contribuição de um integrante do “colectivo” baseado em Lisboa.

Isabel Noronha, a única cineasta moçambicana com uma produção regular e uma participação activa no cinema nacional faz parte do que se pode chamar de segunda geração do cinema moçambicano, pós-Kuxa-Kanema, mas que ainda deu os seus primeiros passos nos anos de ouro do INC. Fez uma pausa para se formar em Psicologia e voltou ao activo, já há alguns tempos, com a realização de documentários, docu-dramas, experiências de linguagem mista de documentário e animação que têm constituído algo novo no cenário nacional. Vai abordar estas “pesquisas” de linguagem para falar de questões sociais actuais e de um tipo de documentário marcado pela sua formação em Psicologia.Gabriel Mondlane, cronista total do nosso quotidiano cinematográfico, das “nossas insuficiências”. Começou no cinema de para quedas, a comemorar a Independência, e fincou, solidamente, os pés nesta terra de fantasia e realidade absoluta.
Camilo de Sousa, antigo combatente da Luta de Libertação Nacional capturado pelo cinema. Já vivia nele mesmo antes de ter entrado, também no fim dos anos setenta. Vai debruçar-se sobre memória, cinema e realidade, análises sobre os “filmes da periferia”.Luis Carlos Patraquim, o poeta do cinema nacional, escritor e narrador dos anos verdes, rapidamente amadurecidos, da aventura comum: os nossos olhos e corações no Norte, com incursões no cinema nacional.Por último, quem assina esta nossa primeira colaboração sobre cinema no “O Pais Fim de Semana”, já apresentado previamente pelos seus filmes, para quem os viu.
Licínio de Azevedo