segunda-feira, 2 de abril de 2012

“O Espelho da Vida”

“A opção pelo colectivo tem inúmeros fundamentos. O primeiro deles é o facto de o cinema ser uma arte absolutamente colectiva, ao contrário de inúmeras outras, como literatura, pintura, escultura, forjadas em exercícios solitários”O título para esta coluna ocorreu-me ao assistir a uma entrevista com o cineasta Manuel de Oliveira, há alguns dias, num canal da tv brasileira.Nela, ele definia cinema com esta frase simples, mas contundente: “ cinema é o espelho da vida”. Possivelmente outros já o definiram de uma forma semelhante. Poucas horas antes, eu havia dado uma entrevista para o programa de Celso Domingos na STV, que este conclui dizendo o mesmo, embora com palavras diferentes. No cinema, para além das vivências dos seus autores, se reflete a vida de todos nós, o que os homens fizeram, fazem ou irão fazer. É nisto que reside a força da mais recente das artes, que conjuga realidade e ficção, que congrega teatro, literatura e música.A coincidência destas definições, num mesmo dia, me emocionou e me fez pensar com mais clareza no que devia constituir esta coluna sobre cinema.A priori, estava acertado com os editores que seria um trabalho colectivo, assumido por um grupo de cineastas moçambicanos com uma história comum e pontos de vista convergentes, sobre a produção nacional e alguma produção internacional. Trata-se de profissionais que há trinta anos actuam juntos, com os seus nomes a compartilharem os genéricos de inúmeros filmes.A opção pelo colectivo tem inúmeros fundamentos. O primeiro deles é o facto de o cinema ser uma arte absolutamente colectiva, ao contrário de inúmeras outras, como literatura, pintura, escultura, forjadas em exercícios solitários. A segunda, decorrente desta, é que se pode dar testemunhos diferentes sobre uma mesma obra em que se participa, o que enriquece a coluna e abre espaço para um debate criativo que tanta falta faz aqui, na nossa área. Não havendo em Moçambique uma crítica especializada em cinema, toda a menção a filmes produzidos aqui ou sobre as produções internacionais, de valor social, cultural ou artístico, se resume a pequenas notas na imprensa sobre os seus lançamentos ou entrevistas genéricas com os realizadores locais a tocarem normalmente na desgastada tecla das nossas dificuldades de cada dia.Nesta coluna não pretendemos assumir o papel de críticos cinematográficos, para o qual não estamos qualificados. Nos assumimos exclusivamente como cineastas do Sul e vamos falar do nosso cinema, da sua história e dos novos filmes, como cineastas envolvidos, como testemunhas, cronistas de “making off”. Vamos falar das obras mas também do que não se vê no ecrã, daquilo que faz parte de uma filmagem, acidentes, incidentes, por vezes cómicos e até ridículos. Destas e de várias outras pequenas coisas que fazem de um filme um “espelho da vida”.Em Moçambique, excepção para o que se pode ver no Dockanema, tem-se pouco acesso actualizado às novas produções internacionais de interesse, aquilo a que chamamos CINEMA, em oposição às produções de carácter puramente comercial, nulas, que muitas vezes degradam a essência do homem, associando-o a uma imagem de violência e instintos básicos. No entanto, vamos trazer informações sobre aquilo a que temos acesso em festivais internacionais, nos quais a produção moçambicana ocupa um espaço cativo. E vamos ter a contribuição de um integrante do “colectivo” baseado em Lisboa.

Isabel Noronha, a única cineasta moçambicana com uma produção regular e uma participação activa no cinema nacional faz parte do que se pode chamar de segunda geração do cinema moçambicano, pós-Kuxa-Kanema, mas que ainda deu os seus primeiros passos nos anos de ouro do INC. Fez uma pausa para se formar em Psicologia e voltou ao activo, já há alguns tempos, com a realização de documentários, docu-dramas, experiências de linguagem mista de documentário e animação que têm constituído algo novo no cenário nacional. Vai abordar estas “pesquisas” de linguagem para falar de questões sociais actuais e de um tipo de documentário marcado pela sua formação em Psicologia.Gabriel Mondlane, cronista total do nosso quotidiano cinematográfico, das “nossas insuficiências”. Começou no cinema de para quedas, a comemorar a Independência, e fincou, solidamente, os pés nesta terra de fantasia e realidade absoluta.
Camilo de Sousa, antigo combatente da Luta de Libertação Nacional capturado pelo cinema. Já vivia nele mesmo antes de ter entrado, também no fim dos anos setenta. Vai debruçar-se sobre memória, cinema e realidade, análises sobre os “filmes da periferia”.Luis Carlos Patraquim, o poeta do cinema nacional, escritor e narrador dos anos verdes, rapidamente amadurecidos, da aventura comum: os nossos olhos e corações no Norte, com incursões no cinema nacional.Por último, quem assina esta nossa primeira colaboração sobre cinema no “O Pais Fim de Semana”, já apresentado previamente pelos seus filmes, para quem os viu.
Licínio de Azevedo

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