sexta-feira, 9 de março de 2012

‘Isto é nosso e ninguém mexe’

O intérprete de música moçambicana Artur Garrido Júnior lamenta que as televisões e as rádios nacionais não paguem os direitos de autor das músicas que transmitem. A inexistência de uma sociedade de autores no país contribui para agravar a vida dos músicos na óptica de Garrido.
“Quanto é que as televisões e as rádios pagam aos músicos para passarem as músicas deles? Nada, deveriam pagar, seria uma grande fonte de receita para os artistas. Quando era músico profissional na Europa tocávamos e depois tínhamos que preencher um mapa com as músicas executadas. O mapa era entregue a sociedade de autores, que no final de cada mês cobrava pelas músicas tocadas em cada local. Tinha de haver uma certa preocupação dos compositores moçambicanos em abordar este assunto, porque aí teríamos ganhos para os músicos”, opina.
Artur Garrido aconselha os profissionais a preocuparem-se com os assuntos da sua vida profissional. “Eu já assisti grandes querelas neste país entre músicos. Por exemplo quando um músico diz que o outro está a cantar um tema de sua autoria. O músico que canta a música do outro apenas está a prestar uma homenagem, aumenta o prestígio e os direitos de autor. Eu cantei as músicas de Fanny Pfumo mas não ganho nada com as vendas, quem recebe são os herdeiros. Aqui em Moçambique tem-se aquela ideia de que ‘a música é minha ninguém pode cantar’”, comenta Garrido.
A pirataria também é apontada pelo músico como um transtorno. “As pessoas têm de ser consciencializadas para não comprar um disco na rua porque estão a compactuar com a pirataria. Os músicos têm de criar uma campanha de sensibilização porque quando o público compra disco na rua deixa o músico no desemprego. Mas é evidente que se houver discos na rua as pessoas vão comprá-los”, lamenta.
Artur Garrido Júnior é intérprete do popular tema Ana no disco gravado em tributo a Fanny Pfumo. “Participei no álbum a convite da Conga”, recorda. A proposta inicial foi que Garrido gravasse o tema Georgina. Porém, faltando dois dias para a gravação do disco os responsáveis informaram-lhe que o músico a interpretar Ana havia sumido. E assim Garrido consagrou nova versão do tema e Fernando Luís gravou Georgina. “No grupo de trabalho estava o falecido guitarrista Nanando. Por a música ser de lamento, soou-me que tinha de interpretá-la como blues. Nanando assumiu todo o espírito da música e conseguiu que a banda toda interiorizasse o clima de blues”, observa.
Valorizar a marrabenta, que por vezes teme tocar, e valorizar Fanny estão entre as preocupações de Garrido. “Há muitas pessoas que têm nomes de ruas e praças e o nosso povo não sabe quem são. Mas de certeza que do Rovuma ao Maputo toda gente conhece Fanny Pfumo. Portanto, porque não existem praças em cada cidade do país com o nome dele? Ninguém tratou tão bem a música moçambicana como ele. Quem melhor interpretou a marrabenta neste país foi este senhor ”, justifica.
O disco de homenagem ao mestre da marrabenta é considerado por Garrido o que há de melhor na discografia nacional. “Tenho questionado o pessoal da Conga sobre quando é que vamos receber o disco de platina ou diamante. Porque nenhum disco desde 1975 vendeu tanto como o gravado em tributo a Fanny Pfumo. Todas as gerações são influenciadas pela música deste artista”.
A forma como é interpretada a marrabenta nos dias de hoje preocupa Artur Garrido. “Eu pertenço a uma geração apelidada de ‘cota’. A bagagem cultural da minha geração esvai-se em Moçambique. Nós ouvimos músicas chamadas de marrabenta que são atentados ao próprio género. A história é que vai julgar”, diz inconformado.
Trabalhar a música a partir de conhecimento científico e não só empírico é uma das sugestões de Garrido. “Nos países vizinhos existem grandes músicos com formação académica, eles trabalham a música academicamente e não empiricamente. Temos escolas que formam músicos, mas não sei porque eles não seguem a música. Formam-se e depois dedicam-se a outras actividades. Talvez porque há aquele estigma de que a música em Moçambique não tem futuro. Nós estamos a entrar num ciclo vicioso: a música não tem futuro porque não há trabalho e não há oferta de trabalho porque os músicos não são competentes”, reclama.
Para este intérprete a falta de instrumentistas e maestros também constitui uma lacuna no desenvolvimento da música nacional. “Infelizmente não temos maestros de música ligeira. Não conheço nenhum maestro que pegue numa música e faça um arranjo para orquestra ou banda. Noutros países quando precisam de maestros vão buscar fora. Nós aqui ainda ficamos naquela ideia de que ‘isto é nosso e ninguém mexe’. Temos de abrir as nossas mentes a partir do contacto com músicos de outras paragens. Não podemos ficar fechados entre nós”, conclui Garrido.

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