sábado, 1 de setembro de 2012

Varanda para o Indico



Fomos à Zavala (Quissico) para vermos a realização do M’saho, o festival de timbila que vai na sua décima oitava edição, que se realizava sob o lema “Plantemos o mwenge para preservar a timbila”. Queríamos testemunhar a execução de uma grandeza rítmica que só a timbila é capaz de proporcionar. Vários grupos se fizeram ao palco do Miradouro, ponto a partir do qual, é também possível observar um outro espectáculo criado pela natureza: o longo lençol verde formado, na sua maioria, por palmeiras e que é atravessado pelas límpidas e cristalinas águas das oito lagoas de Quissico que se comunicam com o Oceano Índico. Beleza paradisíaca.Não há dúvidas de que esta é e será sempre uma das maiores manifestações culturais originais e genuínas que Moçambique e o seu povo se orgulham de possuir: a Timbila.E desta vez o palco do Miradouro não era somente para a timbila. O Mapiko e o Tufo – duas expressões culturais das províncias de Cabo-Delgado e Nampula – foram se juntar àquele local. Uma excelente ideia.Até porque a intenção é mostrar o rico e grandioso património cultural de Moçambique. Inesgotável.Esta simbiose cultural acontece numa altura em que o Mapiko e o Tufo são expressões que querem ser candidatadas ao património oral e imaterial da humanidade. O mesmo acontecendo com o Xigubo de Gaza. Um gesto digno de realce e que cimenta a unidade nacional.Até porque é interessante ver gente proveniente de todas as latitudes do país a ir “acocorar-se” em Quissico e deixar-se embalar com o mavioso som que só a timbila é capaz de oferecer. O bater dos escudos no chão, em simulações guerreiras, vai nos fazer viajar pelos tempos dos guerreiros de Ngungunhane e Maguiguana.Mas tudo isso não vai acontecer antes da actuação do mkwaio, que é a selecção dos melhores marimbeiros de Zavala. E o mkwaio será para executar o Hino Nacional, com recurso a timbilas. Um espectáculo de encher os olhos. Depois seguiu-se o célebre tema de homenagem ao mestre Chambine, um dos maiores marimbeiros e grande compositor de que há memória em todo o distrito de Zavala.Natural da localidade de Mavila, na zona entre Matimbine e o litoral, foi o mestre Chambine que compôs um dos temas que a Rádio Moçambique sempre usava na abertura das suas emissões.
O grupo Timbila de Chizaho, criado pelo Professor Cremildo Pedro Nhantole, é um dos melhores de actualidade, tendo até ter sido escolhido para representar Moçambique num festival internacional de cultura, que teve lugar entre os meses de Abril e Maio, na França. Este grupo infanto-juvenil tem uma alta capacidade de criatividade e coreografias giras. São oito marimbeiros que compõem a orquestra, sendo dois que tocam “xibembe” que equivale ao baixo, dois contra-solos e quatro solistas. O grupo exibiu-se muito bem. Pena não ter sido dado tempo suficiente para que eles actuassem. É que cada grupo tinha direito a 25 minutos, mas isso não aconteceu com o Timbila de Chizaho. Este grupo foi criado em Abril de 2002, na povoação de Chizaho. No total são 38 membros, mas devido às condições criadas no local levaram simplesmente um número suficiente capaz de ser devidamente atendido em Quissico.  
Quando foi anunciado a entrada em palco do grupo cultural de Mapiko todos ficaram simplesmente a pensar que só seriam as vozes dos coristas. Mas, eis que de repente surge um bailarino todo coberto. A máscara era a esfinge de Samora Machel. A plateia, que enchia todo o miradouro, levantou e, efusivamente, aplaudiu. O bailarino foi se contorcendo, ao mesmo tempo que aplicava várias coreografias que davam para perceber que nos remetia para questões do desenvolvimento sócio-cultural de Moçambique. Excelente actuação. E isso encheu de alegria grande parte dos espectadores dos artistas que assistiam pela primeira a uma apresentação de Mapiko.
Depois veio o Tufo, com uma excelente actuação das belas coristas muthianas, todas com os rostos pintados de m’siro.Criado no longínquo ano de 1931, o grupo de Tufo Estrela Vermelha de Carrumpeia vai se renovando com o tempo. E em Quissico eles exibiram uma coreografia estonteante que demonstra vários momentos do dia. A coreografia inicia com o despontar do sol e as actividades que encerram este dia. Depois vem o dia até ao seu fenecer.E para representar estes diferentes momentos do dia, o grupo foi mostrando diferentes vestes cujas cores o simbolizavam o seu percurso.A coreografia expressa ainda aquilo que é também a mulher macua, e, no geral, a moçambicana: esbelta e esguia, culta e trabalhadora.Tanto o Mapiko como o Tufo exibiram-se em dose-dupla, porque o público pediu mais, o que demonstra não somente satisfação, como também espanto curiosidade. Parabéns os organizadores do evento pela ideia, pois isso permitiu que muita gente que nunca tinha visto estas expressões culturais entrasse em contacto com elas. E os grupos que lá estiveram não deixaram os seus créditos em mãos alheias.E nós exaltamos aqui a importância da troca de experiências entre os vários grupos culturais dos diferentes pontos do país e também entre os artistas. Por exemplo, era a primeira que estes dois grupos actuavam numa das províncias da região Sul do país, daí os integrantes do grupo terem também ficado maravilhados com a exibição dos grupos de timbila. Até já se pensa em futuras colaborações, isto em prol da cultura moçambicana.
Muitos jovens que integravam o Timbila ta Mwane abalaram. Uns estando na África do Sul ou na capital do país em busca de novas oportunidades de vida. Quem não quer viver bem, diz-nos alguém ao lado. E esta é uma das razões porque o grupo está em reconstituição, com muitos jovens a tocarem e cantar. Mas nota-se que estes jovens têm verve e sangue quente nas guelras, isto olhando para a forma como se entregam ao canto, à dança e ao toque.  Tal como todos os grupos de timbila que se exibiram, Ngalanga de Inharrime foi palco de Quissico com novos elementos, na sua maioria, jovens que se iniciam neste exercício de dança. É bonito ver que estes estão sempre acompanhados por gente mais velha que está nestas lides há mais tempo. Os passos são fortes, firmes, revelando maturidade.  
Mas Zavala não é somente o berço da timbila. É também terra da castanha e da mandioca e de m’tona, o azeite africano feito com recurso a sementes de mafurra. Zavala oferece também xibehe, produzido com recurso a mafurra.Falemos então dos momentos mais marcantes do evento.Do miradouro pode visualizar-se o verdadeiro paraíso que a natureza destinou aos zavalenses: surgem as lagoas de Quissico, as dunas e montanhas e depois o Índico, dando-nos um conjunto ecológico e paradisíaco empolgante, próprios de uma vila que se pode transformar numa bela cidade futura, próspera, fanhosamente animada de actividade turística, cultural, industrial, comercial, pesqueira e de prestação de serviços, conforme deseja que aconteça Rodrigues Mário, secretário-geral da Associação dos Naturais e Amigos de Zavala (AMIZAVA).É ele quem nos diz que o interesse em realizar o M’saho já transcende o desejo e a vontade dos promotores deste evento, colocando-se como uma exigência e necessidade do público. E é uma responsabilidade de que a própria Associação não pode e nem deve eximir-se dela. 
Por Francisco Manjate

Olharmos para todos


-um pedido à nova autarquia


Este ponto de vista, já foi expresso, por mim, faz tempos, e num semanário do país. Deixarei o corpo principal intacto, pela actualidade, mas com uma incontida tentação de mudar o titulo para: “quando a gratidão urge”.

Quelimane teve e tem heróis, reconhecidos e reconhecíveis, incontestavelmente. E entendendo que esses heróis só podem ser valorizados, e sobretudo, ser referência, ser exemplo, provocando assim legiões de seguidores, se os soubermos registar, divulgar e exaltâ-los. E a minha grande decepção em relação ao município de Quelimane, é não ter feito isso. E aqui quero estender às associações desportivas. Para homens como os que a seguir se arrola, se forme a toponímia da cidade. Avenidas, ruas, praças, edifícios públicos, salas, salões que ostentem os nomes destes e/ou outros, de acordo com a sua grandeza na contribuição que tiveram na cidade ou instituição.
Cuidado: a ordem é aleatória:

-José Manuel Carvalho da Cunha; defensor de pretos e pobres no tempo colonial. Não apenas mas sobretudo.
-Padre Saldanha; trabalhou a cabeça da maioria dos nossos pais, tirando-lhes do analfabetismo.
-Arone Fijamo; membro fundador da Associação Humanitária, enfermeiro; prisioneiro da Pide, homem de letras.
-Padre Bernardino; cativador da massa juvenil para a igreja, dirigente de uma associação que dava comida e roupa aos indigentes.
-Tomás Firmino; professor de canto coral, movimentava a cidade, dava apoio aos alunos pobres, pagando-lhes as propinas, autor do hino da cidade de Quelimane e da Escola Técnica- os quais devem ser recuperados e adaptados se necessário.
-Os Nhaquinzes; trabalhadores eventuais do conselho municipal que se encarregavam da limpeza da cidade de Quelimane
-Conjunto os Cometas, grande animador dos carnavais de Quelimane e não só.
-Dr Leitão Marques; médico cirurgião que acodia aos doentes, não apenas no hospital, como também nas suas casas, quando solicitado, independentemente do seu estatuto social e cor. Competente, polivalente.
-Associação Africana da Zambézia; o clube que nos permitiu praticar o desporto sem sentir-se fantasmas, proporcionou bailes e um edifício, que hoje chamam-lhe a Casa da Cultura.
-David Campeão do Mundo- de ofício sapateiro, boémio, amigo da malta dos bairros, onde era sobejamente conhecido pelas sua frases célebres.
-Bonifacio Gruveta; creio que reune consenso ultrapassando partidos e tudo o mais, dele falarei em breve.

Outros mais poderão ser apontados, como por exemplo o padre Francisco que foi um grande impulsionador do desporto não federado e não só; o velho Barros, chamam-lhe o contador de anedotas, mas eu prefiro designar-lhe exímio contador de histórias curtas, maravilhosas, absurdas e fantásticas, as quais se contam em todo Moçambique, muitas vezes sem lhe conhecerem o autor, inventor de termos e expressões; o velho Paulo, barbeiro do bairro Kansas, outro contador de histórias e fofocas, enquanto remedeava cabeças; o velho Dalas, sportinguista ferrenho que levava a miudagem do bairro para o seu Sporting; e outros mais tenho a certeza. Se uns a sua dimensão merece o reconhecimento da cidade, logo, da autarquia, outros, poderão ser reconhecidos pelas suas colectividades.

Hão-de estranhar que o arrolamento que faço não previligio políticos. Nada tenho contra eles, mas parece-me que é tempo de olharmos para todos: o sapateiro, o vagabundo singular, o médico, o professor. Esses heróis são sempre anónimos. Ao menos uma vez, e num local sejamos diferentes. Ergamos o seus nomes, pelo exemplo e legado que nos deixaram. E façamos, sem receio,  com orgulho. E espero que Quelimane, como sempre soube, seja diferente.
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Estando em tempo de propostas, aos romancistas e contistas, recomendo uma pesquisa sobre a vida de; velho Maquil, velho Barros, velho Paulo, Vasco de Oliveira, Alidgibay, Vicente Cólô, David Campeão do Mundo. Tem assunto e tramas, os quais nas mão de um bom arquitecto de palavras dá para vários best-sellers, de acordar o Jorge Amado.

Por LO-CHI