quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Até já, é já aí.....


 

NaKupenda

Vem de uma família humilde da cidade da Beira, província de Sofala. Desde criança, sempre esteve apaixonada pela dança, mas, ao longo do tempo, desenvolveu um amor pela música e acredita que, através dela, pode louvar a Jesus e tocar milhares de corações. Conheça a história de Marta Vilanculos, a grande vencedora da sétima edição do Fama Show.

A voz de Nelson Nhachungue, vencedor do Fama Show edição 2005, anunciava Marta Vilanculos, como a grande vencedora da 7ª edição do reality show, realizado em directo na STV. A primeira classificada não escondia a felicidade no rosto, exibiu o prémio e, de seguida, cantou, em forma de agradecimento a Deus e dedicou à sua filha. Na verdade, aquele era o culminar de uma jornada que não foi nada fácil, desde a própria história de vida de Marta Vilanculos até à sua participação no Fama Show.

Natural da Beira, província de Sofala, Marta Vilanculos tem a sua história dividida entre a sua terra natal e a província de Inhambane, casa do seu irmão. A grande vencedora do Fama Show tem 23 anos de idade e vem de uma família humilde, por isso, os poucos anos de vida nunca lhe foram fáceis.

“Quando fui viver com o meu irmão em Inhambane, a ideia era que eu tivesse melhores oportunidades de estudos, mas um tempo depois apareceu um amigo do meu irmão para se hospedar na mesma casa e este aproveitou-se da ausência dos outros para me assediar”, contou Marta Vilanculos, a grande vencedora do Fama Show. Depois deste episódio, Marta Vilanculos foi forçada a regressar à Beira em 2012 e a ter um outro conceito sobre os homens. “Eu já não queria saber de homens. Metiam-me medo. Achava que todos os homens se aproximavam de mim para me magoar, mas tudo mudou quando conheci Jesus. Ele amoleceu o meu coração e tudo voltou a ficar normal”, narrou Marta Vilanculos. E foi o mesmo Jesus que a tirou da sua paixão de criança, que era a dança, para a música. “Sempre gostei de dançar. Eu dançava num centro cultural algures na Beira”, revelou o seu apreço pela dança, acrescentando que “Jesus foi quem me revelou o dom pela música e que, através dela (a música), podia louvar a Deus. No início, eu cantava as músicas de Bruna Carla e, pouco a pouco, vou apreciando a música e nunca mais parei de cantar”.

Apreciou, encarnou e, a partir daí, a sua vida resumia-se à música. “Música é vida para mim. Eu não levo a música como hobby. Para mim, é viver de música que eu quero. Estou na faculdade e a fazer ciências da comunicação, mas a música é que é a minha vida”, assumiu Marta Vilanculos.

Mas, para viver da música, tinha de começar de algum lugar… e o Fama Show era a oportunidade ideal para si. Marta Vilanculos teve de abdicar de muita coisa para estar no Reality Show. Deixou a sua filha de oito meses que nasceu prematura.

“Foi muito difícil tomar a decisão de deixar aquela semente que ainda está a brotar para trás. Então, eu tive que tomar esta decisão. Não foi tão fácil, mas eu tinha que fazer isso, porque eu queria. Eu fiquei a pensar: muitos dos artistas partiram de algum concurso. Se não for Fama Show, Desafio Total, Turma Tudo Bom, de um sítio qualquer.

Que história iria contar?

Então, apareceu esta oportunidade e eu não hesitei”, relatou a vencedora do Fama Show.

Estava no Fama Show, mas o seu coração estava na recém-nascida que deixara em casa. “Houve galas em que eu chorava por pensar na minha filha. Houve uma altura em que ela teve um acidente. Queimou uma parte da perna com água quente e eu pensei em desistir do Fama Show, mas os meus colegas me motivaram a não desistir. Até chegaram a chamar-me de maluca. Ouvi seus conselhos e continuei”, recordou Marta Vilanculos.

E esta não foi a única coisa difícil.

Participar do concurso num contexto de pandemia constituiu, também, um grande entrave para Marta. “Quando saí da Beira, não levei nada. Só tinha levado roupa para casting, mas para o show, não levei porque pensei que nos sobraria tempo para voltar para casa. Chegados aqui, a produção do Fama Show disse que não iria custear as despesas e estava lá escrito. Nós é que não prestamos atenção, mas, depois, falei com um amiga para me ajudar com roupas”, revelou a estrela do Fama Show.

A estrela do Fama Show até teve ajuda com roupa para a primeira gala, mas aconteceu um episódio engraçado e interessante. “Eu fui buscar roupas no estilista e perdi o carro que ia à KaTembe. Isso porque, eu pedi a alguém para indicar como podia chegar no Anjo Voador, mas fui aparecer no Xipamanine. Por lá, de tanto desespero, rasguei o meu vestido e acabei o dinheiro de transporte que usaria para chegar à KaTembe. Chorei de tanto desespero”, contou Marta Vilanculos, hoje, às gargalhadas. Ainda neste episódio, ela acrescenta que teve de pedir dinheiro de transporte a outro concorrente (Afonso Júnior), que lhe mandou por plataformas electrónicas e “quando cheguei à KaTembe, a Shelcia Machaieie foi quem me deu um vestido para eu poder usar e actuar na primeira. Por isso, digo que eles são minha família. Subi ao palco pensando na minha princesa e, por isso, actuei e brilhei muito”.



E brilhou mesmo!

Marta Vilanculos foi uma das concorrentes que se manteve constante pela positiva desde a primeira gala e depois das suas actuações, os outros concorrentes aplaudiam-na.

As pessoas viram maravilhas no canto da Marta Vilanculos, votaram e tornaram-na na grande vencedora do Fama Show. Até hoje, custa acreditar. “Ainda não é fácil digerir. Todos os dias são mensagens de pessoas e eu não acredito que sou a vencedora da sétima edição do Fama Show e primeira classificada. Eu dedico esse prémio à minha filha e ao meu esposo”, disse Marta Vilanculos, num tom de entusiasmo.

E o esposo já espera, ansiosamente, pela chegada da sua amada e vencedora do maior reality show do país. “Estamos à espera de ti. Tu és uma mulher guerreira, madura, respeitosa, com carácter inquestionável. Eu amo-te muito. Tua filha ama-te muito também. Estamos à tua espera”, teceu elogios Adamo Costa, esposo da Marta Vilanculos. Estão à espera, não só o esposo da grande vencedora da sétima edição do Fama Show, como também os munícipes da Beira, tal como o fizeram em 2006, quando o prémio do concurso foi à mesma cidade, pelas mãos de Calisto Ferreira. Naquele ano, os beirenses lotaram as ruas para receber o seu filho e, este ano, certamente, não haverá muito público por conta da pandemia da COVID-19, mas o amor, o carinho e admiração dos munícipes da Beira, certamente serão os mesmos.

 

 


terça-feira, 12 de outubro de 2021

Resurge

Apesar do contexto de tamanha insegurança e instabilidade, a arte segue demonstrando sua capacidade de trazer renovação para aquele que a ela recorrem.A arte é singular, assim como seus processos. Durante a pandemia, portanto, é de se esperar que o fazer artístico apresente as diferentes subjectividades daqueles que os produzem apresentando maiores ou menores mudanças, facilidades e dificuldades. O fechamento de teatros e espaços culturais afectou o ritmo das produções e suspendeu o andamento de projectos culturais na nossa sociedade, como explica o escritor e poeta Santos.

“Ora viva, antes de tudo permita-me saudar a todos leitores e dizer que no princípio não foi fácil pois pouco sabíamos em torno desta doença”. Para o escritor e poeta Santos, neste tempo tão de difícil os artistas têm muitas privações e inseguranças de tal forma que em algum estágio tiveram que se readaptar de modo a continuar.

“Por exemplo no meu ramo (literatura) fomos desafiados a inovar pois as feiras e saraus deixaram de ter lugar e isso foi crucial para a expansão do pensamento. A arte em tempos de Covid sofreu inovações”

Com as novas medidas com vista combater a pandemia do novo vírus, viram-se obrigados a ficar em casa e isso numa primeira fase abriu uma perigosa janela de depressão e vários outros sentimentos, a arte resurge mais uma vez como um balão de oxigénio para informar, entreter e confortar a sociedade.

“Todas formas de arte tiveram e ainda tem um alto contributo para o bem-estar e o combate à pandemia”.

A temática e a abordagem actual têm um importante papel para o combate à pandemia do Covid-19, a arte sendo ela a forma mais prática e abrangente, tem-se mostrado mais eficaz para tal papel.

“Eu, assim como vários outros colegas da arte temos criados programas de sensibilização usando a poesia e vários outros diferentes géneros. Através das redes sociais e várias outras ferramentas electrónicas foi e está sendo possível obter bons resultados”.

Bem, não se pode negar que fora as inovações a pandemia veio atrasar e prejudicar a classe artística, por exemplo com o cancelamento indeterminado das celebrações colectivas, feiras, escolas, empresas, espectáculos, aeroportos e assim como interdições e mais.A arte na sua totalidade tinha entrado numa fase delicada e alguns fazedores tiveram enormes prejuízos. O consumo virtual do produto artístico cresceu posteriormente mas para aqueles que não souberam se readaptar nesta nova realidade não tiveram a mesma sorte, sublinha o artista. Actualmente é mais fácil estar presente, temos notado um crescente movimento artístico e muitos canais de divulgação.

“Com a literatura não é diferente, cresceram os canais e as plataformas de leitura. Os saraus embora virtuais, tem actualmente um alcance indefinido pois tem maior abertura a aceitação”.

“Não se pode negar que estamos numa bela fase de aprendizagem e emancipação. Estamos reaprendendo a sobrevive com esta nova realidade”.

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

“Wirapangue”

Há quem diga que o tratamento que nos é dispensado na infância influencia a nossa personalidade e atitudes quando adultos. Rahima é a prova disso. Foi sempre mimada pelo pai, e hoje replica o gesto para com…a música. Nascida na cidade de Maputo, Rahima Ezequiel Munjaga entra no mundo da música no longíquo ano de 1999. Foi à beira do “fim do mundo” que começou a dar vida a uma paixão que sempre existiu no seu íntimo, influenciada por Dianne Reeves e Celine Dion, ambas cantoras norte-americanas, e pela mítica banda moçambicana RM. Em tão pouco tempo, já actuava além-fronteiras, o que, de certa forma, certifica a sua imensa qualidade. Por exemplo, no ano de 2001, fez algumas digressões pela Europa, tendo participado em alguns festivais de música. Igualmente, passou parte da sua vida na vizinha África do Sul, fazendo música e sempre exaltando o amor, que é a sua marca. “Falo muito de amor. À semelhança do meu pai, sou uma romântica nata, mas o estilo é afro jazz”, revela a cantora, que foi muito influenciada pelo pai, igualmente um “romântico nato” e dono de uma grande compilação de discos de vinil com que se deliciava em casa.

“É bom sair da rotina” Apesar de ter o afro jazz como “BI” musical, Rahima gosta de navegar em outros mares e fazer troca de experiência com outros músicos. É uma forma de “sair da rotina”, que é boa para experimentar “outras energias”. Essas experiências ajudam-na a ser uma cantora cada vez mais completa, o que ficou demonstrado no álbum “Wirapangue”. “É um título que amo muito. Esse nome também será o título do meu futuro projecto em outras artes, cada letra desta palavra tem um significado para mim”, conta Rahima, para quem as misturas de ritmos diluem a identidade dos artistas e projectam a música para outros mundos. “Assistimos e ouvimos, hoje em dia, vários ritmos musicais misturados com ritmos de outros países, e, em algum momento, intitulamos essa mesma música ‘produto nacional’, o que não está errado, pois aí já entra de acordo com a minha resposta: ‘música não tem fronteiras”. “Tenho outras habilidades” Os músicos moçambicanos estão há mais de um ano a fazer uma espécie de travessia no deserto, dado que os espectáculos, que são a principal fonte de receitas, estão interditos. Rahima assume estar afectada, tal como “todos os músicos”, mas não sucumbe, graças a outras valências que possui.

“Tenho outras habilidades que me ajudam a contornar a situação da pandemia”, vincou a fonte. De resto, antes da pandemia já era difícil a vida dos músicos em Moçambique, por conta das deficiências que caracterizam o ambiente musical. Seja como for, Rahima prefere ver o lado positivo, que tem que ver com o facto de hoje a situação estar muito melhor. “Agradeço a Deus pelos momentos que Moçambique está a passar culturalmente. Nós começámos em momentos bem difíceis, em que para se assistir a um festival, fazer-se um concerto, ter empresas a injectar na cultura, em artistas e por aí em diante era difícil. Só víamos isso nos Estados Unidos da América, através da Rahima televisão. Hoje tudo mudou”, referiu. Para já, o principal desafio que Rahima aponta tem que ver com a capitalização da música, através de pagamento de direitos autorais, “algo que ainda é muito desconhecido no nosso meio, mas esta ferramenta fez com que grandes países estivessem culturalmente industrializados e que a música assim como outras manifestações culturais humanas estivessem no nível em que estão”.

0,1,2…4…1 …. Pecados fatais

 Pecado 18: Ridicularização do Hip-Hop

Preferi criar um dos pecados para falar do Hip- -Hop, um ritmo que tanto aprecio e que, para mim, é uma luz para perceber o rumo das sociedades. O ponto é o seguinte: a sociedade foi estruturada de tal forma que nos faz perceber o hip-hop (rap) como um ritmo de mendigos, criminosos ou delinquentes. Mas engana-se quem assim pensa, pois, neste grupo/estilo musical, muitas são as verdades ou realidades cantadas que, se escutadas, poderiam mudar o rumo das coisas para o melhor. O rap é, de alguma forma, um ritmo de manifestação ou repúdio a determinados assuntos (pacificamente), e ele leva consigo uma estrutura de MCs que vivem a dor da sociedade e interpretam isso em suas letras. Há muitos estudiosos que estão neste estilo musical, alguns são os chamados ghost writers, outros são os que escrevem e cantam pessoalmente. Não se pode ignorar o facto de existirem os rapazes de swag, que só falam coisas e não ajudam em nada o movimento rap, porque mais insultam do que trazem mensagem. Daí que digo que se precisamos que o rap/hip-hop seja respeitado, é importante que também se repense no que se canta, em como se canta, sob o risco de penalizar gente que dia e noite elabora logicamente as suas músicas para depois ver-se marginalizado por causa de muitos que acreditam que tatuar-se é o código alfa de um verdadeiro rapper.

Pecado 19: Ridicularizar um fã versus uma sociedade que não sabe aplaudir.

 É incrível às vezes ver a forma como as pessoas não querem mostrar que são fãs de seus músicos predilectos. Agem de tal forma que até engolem a lágrima de emoção que quer-se libertar na hora do show ou quando o vêem caminhar. Percebo que estamos numa sociedade em que, por vezes, se tem medo de exprimir os sentimentos. Ou melhor, as pessoas fazem-se de difíceis ao ponto de esconderem que gostam tanto de um determinado artista. Isso pode fazer de nós uma sociedade privada no secretismo do sentimento, e nalgum momento, agoniada, porque quando um sentimento é aprisionado é como se um pouco de nós fosse impedido de se libertar (olhe que não estou a falar de coisas de amor). O ponto deste pecado é que não existe, necessariamente, um músico sem um fã. Ou seja, há uma relação directa entre estes dois, e por incrível que pareça, o músico precisa mais do fã do que o fã precisa de si. Daí a necessidade de saber gerir a ansiedade de seus fãs e saber dar resposta quando estes fazem perguntas e inquietam-se sobre o seu paradeiro.

Pecado 20: Um governo que não reconhece seus artistas

Espero que, ao falar deste pecado, não seja percebido como um político falando, até porque não tenho tais traços. Trago este pecado no sentido de problematizar o papel do estado na promoção da cultura/música moçambicana. É preciso que se criem essencialmente ligações fortes entre um estado e os artistas. Poderíamos, por exemplo, pensar numa possibilidade de o Presidente da República convidar artistas para cantarem e estarem junto de si numa conversa num fim-de- -semana na presidência. Caso isto acontecesse, não querendo aqui citar os métodos para escolher os artistas que lá estariam, abririam uma época em que olha para a presidência como, também, um local onde se encontra o povo, um local onde debatem- -se ideias, ainda que fosse informalmente. Enfim, não cabe a mim decidir isto. Talvez o importante a discutir aqui seja como o Ministério da Cultura gerencia a vida dos músicos e faz destes um grupo “privilegiado” ou que mereça alguma atenção. O Ministério tem que ser uma caixa de reclamação que recebe problemas dos músicos e, aos mesmo tempo, os resolver, se estiverem ao seu alcance.

Pecado 21: Privar o pensamento só na cultura local pode ser uma fatalidade Moçambique não existe, necessariamente, sem os outros países do mundo.

É importante perceber que cantar a sua história não significa ocultar a história do outro. Daí que faz-me pensar que precisa- -se, às vezes, de se pensar fora da caixa e não ter medo de cantar o outro mundo, não ter-se medo de fazer o samba enquanto se é moçambicano. Isso não tira nenhuma originalidade e não é crime nenhum, pelo contrário, até mostra o quanto podes estar a par dos acontecimentos e que conheces a cultura de outros povos. Deve-se pensar porquê alguns artistas se notam muitos nalguns países. Alguns, é porque tem um objectivo nas suas carreiras e escrevem o “Plano de carreira” no sentido de identificar o seu público-alvo. É importante lembrar que um músico é comparado a um empresário que quer abrir um jornal. Não pode querer criar um jornal só tendo dinheiro para a primeira impressão, sem saber de onde vai surgir o dinheiro para as outras edições. O que estou a atentar dizer é que enquanto se pensa como produzir as músicas, é também importante saber como dar continuidade aos seus trabalhos.  

 

Pecado 22: Ter lucros na música/música como empresa

 As pessoas pensam que a música é só para cantar-se em casamentos, fazer a vovozinha sem dentes sorrir e esquecer-se da velhice. Pelo contrário, a música é sim uma indústria, ou pelo menos deveria ser. As pessoas devem viver por aquilo que elas acreditam ou que as faz completas. Estamos perante uma realidade em que fazer música não é, provavelmente, uma forma de vida, porque não garante lucros e nem garante o sustento das famílias, por isso muitos entram e saem da carreira, ainda que gostem de fazer música. Assim como os outros profissionais têm/deveriam ter carteiras profissionais, os músicos também devem ter, porque são uma estrutura organizada que garante fundos, dinheiro que ainda serve ao próprio estado, ou melhor, é importante que se discuta quem é ou não músico, quais são os critérios para sê-lo, ou ainda que qualidades exigidas para que se debata ao mesmo tempo a possibilidade de torná-la uma empresa propriamente dita. Nós é que ainda não tenhamos a música como forma de rendimento, mas os outros países, até mesmo Angola que tanto “amamos”, têm cantores/ músicos que vivem essencialmente da música e ficam ricos por ela (acredito que aqui também possam existir/existem).

 



Sérgio dos Céus Nelson

NB: Há que se pensar na formação dos músicos, de forma a perceber como se comportam ou escrevem suas letras.


sexta-feira, 6 de agosto de 2021

“Nacionalismo e literatura”

Orlando Mendes (também Osvaldo Mossuril e Zeferino A. Nhacale), de nome Orlando Marques de Almeida Mendes, nasceu na Ilha de Moçambique, a 4 de Agosto de 1916, e morreu em 1990, em Maputo. Mendes foi um eclético escritor, tendo publicado poesia, romance, teatro, crítica literária, ensaios e infanto-juvenis. A sua imensa e diversificada produção literária, influenciada, no início, pelo pragmatismo do neo-realismo do movimento de Presença, é caracterizada ideologicamente pelo esforço de instauração de um espaço literário nacional, como constata Agostinho Goenha.

Em Lourenço Marques (agora Maputo), Orlando Mendes frequenta até o sétimo ano do Liceu. Até 1944, é funcionário dos Serviços de Fazenda, quando segue para Portugal, onde licenciou-se em Ciências Biológicas, pela Universidade de Coimbra. Exerceu, ainda na universidade, funções de Assistente de Botânica. Regressado a Moçambique, em 1951, passa a pertencer ao quadro de funcionários dos Serviços de Agricultura de Moçambique, e depois, a exercer funções de investigador de medicina tradicional, no Ministério da Saúde. Nos últimos anos de sua vida, foi redactor na revista Tempo.

A estreia de Orlando Mendes acontece em 1940, com Trajectória (edição de autor), tendo depois publicado Clima (1951), Carta do Capaz da Estrada (1960), Depois do 7º Dia (1963), Portanto Eu vos Escrevo (1964), Portagem (1966), Véspera Confiada (1968), Um minuto de Silêncio (1970), Adeus de Gutucumbui (1974), A Fome das Larvas (1975), País Emerso I (1975), País Emerso II (1976), Produção Com que Aprendo (1978), Lume florindo na forja (1980), Sobre Literatura Moçambicana (1982), Papá Operário mais Seis Histórias (1983), As faces visitadas (1985), O menino que não crescia (1986), Telefonemas a calhar e outros contos (1995) e Minda (2001), publicado postumamente pela Associação dos Escritores Moçambicanos.

Orlando Mendes teve colaboração literária dispersa em jornais e revistas como Itinerário, Tempo, Voz de Moçambique, A Tribuna, Caliban, Notícias, Charrua e Forja, de Moçambique; e Vértice, O Diabo, Mundo Literário, Seara Nova, Colóquio/Letras e África, de Portugal. Está, também, representado em inúmeras antologias de poesia e prosa. Recebeu, durante o seu percurso, o “Prémio Fialho de Almeida”, dos Jogos Florais da Universidade de Coimbra, em 1946, e o primeiro prémio de poesia no Concurso Literário da Câmara Municipal de Lourenço Marques, em 1953.

Depois da Independência e até a sua morte, Mendes promoveu a literatura moçambicana, dirigiu a Associação dos Escritores Moçambicanos e teve sempre uma participação cultural muito activa.

Hoje, se estivesse vivo, Orlando Mendes completaria 105 anos.


A extensa produção literária de Orlando Mendes não se insere, como aponta a crítica, no proto-nacionalismo de Noronha ou Noémia, no “elogio da moçambicanidade”, por assim dizer, e muito menos no movimento de “ex-colonização da literatura”, preocupação de Rui Nogar e José Craveirinha, entretanto, ela [a produção] é, de certo modo, de denúncia e de revolução, então, uma produção continuadora. Embora seja imensamente associado ao neo-realismo português, Mendes – que durante a sua estada em Portugal terá tido contacto com escritores como Afonso Duarte, Armindo Rodrigues, Miguel Torga, Fernando Namora, Jorge Amado, José Lins do Rêgo, Érico Veríssimo, etc. – recusava-se a pertencer a uma corrente, afirmando que a sua literatura era uma “expressão anticolonialista”.

A obra de Orlando Mendes é, quase toda ela, “assombrada” por um engajamento e exaltação com/do nacional, ele insurge-se, busca “contundir o inimigo” com o seu levantamento social, vertentes que, aliás, compõem o que Agostinho Goenha chama de “concepção marxista do fenómeno literário”.

O seu projecto poético, ideológico nos últimos anos, é tenso, e no dizer de Alfredo Margarido, uma mescla de “denúncia de alienação do Homem” – negro ou branco (vide. Portagem) – e o enganchamento dos grupos étnicos moçambicanos. A obra de Mendes (poesia e prosa) é também identificada pelos traços de oralidade, ele funde o português elegante com o português local, ajuntando os chamados moçambicanismos.

Para vários pesquisadores, a obra de Orlando Mendes é indispensável para o desenvolvimento e para o estudo da literatura em Moçambique.

 

Textos de Orlando Mendes

Exortação

Jovem, se tens exercícios de literatura

escritos há mais de um mês, destrói-os.

Rasga-os ou queima-os de preferência

(consta ser universalmente mais ortodoxo)

e se a chama te chamuscar unhas e pele

e as sujar a cinza, não queixes a dor

e lava-te. Destrói-os. Guarda-os todavia

fiéis na memória, palavra por palavra,

para que possas transmiti-los a um amigo

quando depois do venal acto de amor

forem também vender a irresistível suspeita

da tua voz trémula e dos teus outros actos.

Mas não deixes de escrever. Peço-te que não.

In: Adeus de Gutucumbi, p. 25

 

 Em África

Quantos de nós

andam por aí ensimesmados

e medem o tempo e o comprimento dos passos que dão

sabendo o princípio e o fim

da sua própria caminhada imutável

e meneiam de vez em quando a cabeça

pelo sim ou pelo não.


Quantos de nós

exaltam o delírio dum poema

e o dizem entre dentes

deixando circular tranquilamente o sangue nas veias.

Mas ainda é preciso denunciar

os cantos das imagens virtuais

e desenraizar com o gume da palavra nua

as últimas consequências sentimentais

embandeiradas dentro das verdes searas

já é preciso colher e distribuir novas sementes

e lançá-las por mãos proletárias à terra comum

e conhecer o mecanismo da arma que se empunha

e rigorosamente apontar ao alvo

não estando sós.

[…]

Quantos de nós

têm que reaprender as distâncias e acertá-las

à custa do timbre da sua voz

para que todos cantem e accionem

a luta de libertação e a liberdade conquistada

com o impacto de balas.

In: Lume Florindo na Forja, 1980

 

Excerto de Portagem (1966)

A velha negra sai da palhota e fecha os olhos doridos pela luz crua do sol. Depois abre-os lentamente e a boca encarquilha-se-lhe num sorriso aparentemente sem sentido. No terreiro não há ninguém que lhe faça lembrar coisas do mundo que está esquecendo. Tudo quanto ela entende do exterior é aquele ranger medroso dos ramos nus da árvore mirrada, sacudidos pelo vento quente e vagaroso que passa e se esconde na terra.

 


Tremem-lhe as mãos secas agarradas ao bordão nodoso. Quer alongar a vista para lá do capim ressequido que balouça cadenciadamente, mas abana a cabeça, desiludida. Dia a dia, a vista se limita mais nas expressões para os seus afectos. Amarfanha a capulana até à coxa enrugada e, traçando as pernas, deixa cair mansamente o corpo magro para o chão.

Alima geme de cansaço. Ou de tédio? Nem ela saberia dizer. Ajeita-se encostada à paliçada da palhota. A sonolência começa a perturbá-la. Todos os dias, à mesma hora da manhã, a velha vem ali sentar-se e promete sempre não se deixar adormecer. Também agora tenta fugir ao sono inimigo, que ela tem medo de perder de vez a contemplação da planície mordida pelo sol. De ano para ano, a planície diminui de extensão diante da fadiga dos seus olhos. E ela pensa que lhe vão roubando misteriosamente o mundo de ano para ano.

Dormita uns instantes sem tempo, para logo acordar sobressaltada. Reconhece o chão pisado por três gerações de negros. Fixa os olhos mortiços nos ramos descarnados do cajueiro plantado pelo avô, o escravo Mafanisse, no dia da sua libertação. Recordando, é depois o mar que lhe aparece, um mar de ondas bravias que foi a fronteira da imigração dos negros para o sul, na grande seca do ano em que lhe nasceu a filha Kati. Kati casou com o capataz dos mineiros do Marandal, depois de ter gerado e parido um filho de branco. Aí começou a solidão enorme da velha Alima. Solidão do simbólico cajueiro entre a erva rasteira e os galhos agrestes das micaias. E é na planície que fica o mundo moribundo da vida toda da negra Alima.

A velha ainda se lembra de que, lá longe, a planície se esvai no sopé da serra do Marandal. Vieram os brancos com as suas máquinas para abrirem os grandes buracos na terra e tirar o carvão que os negros carregam para as vagonetas. Mas Alima nunca saiu da planície senão no ano longínquo da grande emigração. Os negros mudaram as palhotas para a nova povoação fundada no Marandal. E tentaram levar a velha. Ela, porém, é já a única pessoa viva que ouviu da boca dos escravos a história recontada do mundo da planície. E recusa-se a abandoná-la. A planície quase despida não atrai sequer as feras e ninguém já por ali passa, que o transito para a mina se faz pelo caminho da berma da serra. Solitária, a velha Alima tornou-se dona humilde e incontestada da planície que não tem préstimo para mais ninguém.

 

quarta-feira, 16 de junho de 2021

m’siro

O Centro Cultural Brasil-Moçambique, em Maputo, exibe “Lugar das ilhas”, a mais recente exposição de Sónia Sultuane. “Lugar das ilhas” aborda aspectos ligados a valor histórico e cultural da Ilha de Moçambique e explora o lado artístico da capulana.

 

“Lugar das ilhas” é um conjunto de 18 obras de arte, repleto de detalhes e feitas com base a capulana. “Eu queria tornar a capulana numa obra de arte e não pura e simplesmente que fosse um utensílio para uso banal”, disse a expositora durante a inauguração da exposição. A exposição surgiu inspirada na Ilha de Moçambique e, para o efeito, a autora viajou mais de uma vez ao local. “Há aproximadamente dois fiz três viagens à Ilha de Moçambique e a Ilha inspirou-me. Também em criança já tinha estado na Ilha de Moçambique e o local é muito rico ao nível de cultura, gastronomia, arquitectura, então daí o desafio’’, explicou, a autora. Em termos temáticos, na Ilha de Moçambique, a autora fala da rota dos escravos, da porcelana, de esculturas, entre outros aspectos.

“Todas estas questões, por exemplo, de dote que fala da tradição das mulheres, da prata, do ouro e do m’siro são elementos que fazem parte das mulheres’’, acrescentou, Sónia Sultuane. A curadora da exposição, Alda Costa, explica que Sónia Sultuane usa outras linguagens e interessantes.