quarta-feira, 15 de setembro de 2021

“Wirapangue”

Há quem diga que o tratamento que nos é dispensado na infância influencia a nossa personalidade e atitudes quando adultos. Rahima é a prova disso. Foi sempre mimada pelo pai, e hoje replica o gesto para com…a música. Nascida na cidade de Maputo, Rahima Ezequiel Munjaga entra no mundo da música no longíquo ano de 1999. Foi à beira do “fim do mundo” que começou a dar vida a uma paixão que sempre existiu no seu íntimo, influenciada por Dianne Reeves e Celine Dion, ambas cantoras norte-americanas, e pela mítica banda moçambicana RM. Em tão pouco tempo, já actuava além-fronteiras, o que, de certa forma, certifica a sua imensa qualidade. Por exemplo, no ano de 2001, fez algumas digressões pela Europa, tendo participado em alguns festivais de música. Igualmente, passou parte da sua vida na vizinha África do Sul, fazendo música e sempre exaltando o amor, que é a sua marca. “Falo muito de amor. À semelhança do meu pai, sou uma romântica nata, mas o estilo é afro jazz”, revela a cantora, que foi muito influenciada pelo pai, igualmente um “romântico nato” e dono de uma grande compilação de discos de vinil com que se deliciava em casa.

“É bom sair da rotina” Apesar de ter o afro jazz como “BI” musical, Rahima gosta de navegar em outros mares e fazer troca de experiência com outros músicos. É uma forma de “sair da rotina”, que é boa para experimentar “outras energias”. Essas experiências ajudam-na a ser uma cantora cada vez mais completa, o que ficou demonstrado no álbum “Wirapangue”. “É um título que amo muito. Esse nome também será o título do meu futuro projecto em outras artes, cada letra desta palavra tem um significado para mim”, conta Rahima, para quem as misturas de ritmos diluem a identidade dos artistas e projectam a música para outros mundos. “Assistimos e ouvimos, hoje em dia, vários ritmos musicais misturados com ritmos de outros países, e, em algum momento, intitulamos essa mesma música ‘produto nacional’, o que não está errado, pois aí já entra de acordo com a minha resposta: ‘música não tem fronteiras”. “Tenho outras habilidades” Os músicos moçambicanos estão há mais de um ano a fazer uma espécie de travessia no deserto, dado que os espectáculos, que são a principal fonte de receitas, estão interditos. Rahima assume estar afectada, tal como “todos os músicos”, mas não sucumbe, graças a outras valências que possui.

“Tenho outras habilidades que me ajudam a contornar a situação da pandemia”, vincou a fonte. De resto, antes da pandemia já era difícil a vida dos músicos em Moçambique, por conta das deficiências que caracterizam o ambiente musical. Seja como for, Rahima prefere ver o lado positivo, que tem que ver com o facto de hoje a situação estar muito melhor. “Agradeço a Deus pelos momentos que Moçambique está a passar culturalmente. Nós começámos em momentos bem difíceis, em que para se assistir a um festival, fazer-se um concerto, ter empresas a injectar na cultura, em artistas e por aí em diante era difícil. Só víamos isso nos Estados Unidos da América, através da Rahima televisão. Hoje tudo mudou”, referiu. Para já, o principal desafio que Rahima aponta tem que ver com a capitalização da música, através de pagamento de direitos autorais, “algo que ainda é muito desconhecido no nosso meio, mas esta ferramenta fez com que grandes países estivessem culturalmente industrializados e que a música assim como outras manifestações culturais humanas estivessem no nível em que estão”.

0,1,2…4…1 …. Pecados fatais

 Pecado 18: Ridicularização do Hip-Hop

Preferi criar um dos pecados para falar do Hip- -Hop, um ritmo que tanto aprecio e que, para mim, é uma luz para perceber o rumo das sociedades. O ponto é o seguinte: a sociedade foi estruturada de tal forma que nos faz perceber o hip-hop (rap) como um ritmo de mendigos, criminosos ou delinquentes. Mas engana-se quem assim pensa, pois, neste grupo/estilo musical, muitas são as verdades ou realidades cantadas que, se escutadas, poderiam mudar o rumo das coisas para o melhor. O rap é, de alguma forma, um ritmo de manifestação ou repúdio a determinados assuntos (pacificamente), e ele leva consigo uma estrutura de MCs que vivem a dor da sociedade e interpretam isso em suas letras. Há muitos estudiosos que estão neste estilo musical, alguns são os chamados ghost writers, outros são os que escrevem e cantam pessoalmente. Não se pode ignorar o facto de existirem os rapazes de swag, que só falam coisas e não ajudam em nada o movimento rap, porque mais insultam do que trazem mensagem. Daí que digo que se precisamos que o rap/hip-hop seja respeitado, é importante que também se repense no que se canta, em como se canta, sob o risco de penalizar gente que dia e noite elabora logicamente as suas músicas para depois ver-se marginalizado por causa de muitos que acreditam que tatuar-se é o código alfa de um verdadeiro rapper.

Pecado 19: Ridicularizar um fã versus uma sociedade que não sabe aplaudir.

 É incrível às vezes ver a forma como as pessoas não querem mostrar que são fãs de seus músicos predilectos. Agem de tal forma que até engolem a lágrima de emoção que quer-se libertar na hora do show ou quando o vêem caminhar. Percebo que estamos numa sociedade em que, por vezes, se tem medo de exprimir os sentimentos. Ou melhor, as pessoas fazem-se de difíceis ao ponto de esconderem que gostam tanto de um determinado artista. Isso pode fazer de nós uma sociedade privada no secretismo do sentimento, e nalgum momento, agoniada, porque quando um sentimento é aprisionado é como se um pouco de nós fosse impedido de se libertar (olhe que não estou a falar de coisas de amor). O ponto deste pecado é que não existe, necessariamente, um músico sem um fã. Ou seja, há uma relação directa entre estes dois, e por incrível que pareça, o músico precisa mais do fã do que o fã precisa de si. Daí a necessidade de saber gerir a ansiedade de seus fãs e saber dar resposta quando estes fazem perguntas e inquietam-se sobre o seu paradeiro.

Pecado 20: Um governo que não reconhece seus artistas

Espero que, ao falar deste pecado, não seja percebido como um político falando, até porque não tenho tais traços. Trago este pecado no sentido de problematizar o papel do estado na promoção da cultura/música moçambicana. É preciso que se criem essencialmente ligações fortes entre um estado e os artistas. Poderíamos, por exemplo, pensar numa possibilidade de o Presidente da República convidar artistas para cantarem e estarem junto de si numa conversa num fim-de- -semana na presidência. Caso isto acontecesse, não querendo aqui citar os métodos para escolher os artistas que lá estariam, abririam uma época em que olha para a presidência como, também, um local onde se encontra o povo, um local onde debatem- -se ideias, ainda que fosse informalmente. Enfim, não cabe a mim decidir isto. Talvez o importante a discutir aqui seja como o Ministério da Cultura gerencia a vida dos músicos e faz destes um grupo “privilegiado” ou que mereça alguma atenção. O Ministério tem que ser uma caixa de reclamação que recebe problemas dos músicos e, aos mesmo tempo, os resolver, se estiverem ao seu alcance.

Pecado 21: Privar o pensamento só na cultura local pode ser uma fatalidade Moçambique não existe, necessariamente, sem os outros países do mundo.

É importante perceber que cantar a sua história não significa ocultar a história do outro. Daí que faz-me pensar que precisa- -se, às vezes, de se pensar fora da caixa e não ter medo de cantar o outro mundo, não ter-se medo de fazer o samba enquanto se é moçambicano. Isso não tira nenhuma originalidade e não é crime nenhum, pelo contrário, até mostra o quanto podes estar a par dos acontecimentos e que conheces a cultura de outros povos. Deve-se pensar porquê alguns artistas se notam muitos nalguns países. Alguns, é porque tem um objectivo nas suas carreiras e escrevem o “Plano de carreira” no sentido de identificar o seu público-alvo. É importante lembrar que um músico é comparado a um empresário que quer abrir um jornal. Não pode querer criar um jornal só tendo dinheiro para a primeira impressão, sem saber de onde vai surgir o dinheiro para as outras edições. O que estou a atentar dizer é que enquanto se pensa como produzir as músicas, é também importante saber como dar continuidade aos seus trabalhos.  

 

Pecado 22: Ter lucros na música/música como empresa

 As pessoas pensam que a música é só para cantar-se em casamentos, fazer a vovozinha sem dentes sorrir e esquecer-se da velhice. Pelo contrário, a música é sim uma indústria, ou pelo menos deveria ser. As pessoas devem viver por aquilo que elas acreditam ou que as faz completas. Estamos perante uma realidade em que fazer música não é, provavelmente, uma forma de vida, porque não garante lucros e nem garante o sustento das famílias, por isso muitos entram e saem da carreira, ainda que gostem de fazer música. Assim como os outros profissionais têm/deveriam ter carteiras profissionais, os músicos também devem ter, porque são uma estrutura organizada que garante fundos, dinheiro que ainda serve ao próprio estado, ou melhor, é importante que se discuta quem é ou não músico, quais são os critérios para sê-lo, ou ainda que qualidades exigidas para que se debata ao mesmo tempo a possibilidade de torná-la uma empresa propriamente dita. Nós é que ainda não tenhamos a música como forma de rendimento, mas os outros países, até mesmo Angola que tanto “amamos”, têm cantores/ músicos que vivem essencialmente da música e ficam ricos por ela (acredito que aqui também possam existir/existem).

 



Sérgio dos Céus Nelson

NB: Há que se pensar na formação dos músicos, de forma a perceber como se comportam ou escrevem suas letras.