quinta-feira, 18 de outubro de 2018

19, o segredo da pátria de Stalin


Avó Dezanove e o segredo do soviético é o título da nova longa-metragem de João Ribeiro. O elenco da produção cinematográfica conta com o actor russo, a residir em Portugal, Dimitry Bogomolov. Nesta entrevista, o actor que representa o papel de soviético refere-se à sua participação no filme e ao impacto que a obra do realizador moçambicano, adaptada do livro de Ondjaki, pode ter nos telespectadores.

Nesta sua primeira viagem a Moçambique integra o elenco da segunda longa-metragem de João Ribeiro. Por que aceitou o convite?
Image result for Dimitry BogomolovO que mais me levou a aceitar o convite não foi muito o que se passa na história do filme ou da personagem, com várias barreiras por ultrapassar. Vim pelo desejo de querer trabalhar com novas pessoas, porque, para mim, todos os realizadores têm mesma importância e merecem ser respeitados de igual modo. Além disso, todos os meus colegas actores são uma grande escola. E esta grande experiência em Moçambique foi com os actores, com toda a equipa de produção e técnica. Profissionalmente, eticamente e humanamente o meu trabalhado com João Ribeiro e a sua equipa foi uma escola. Ainda bem que aceitei vir a Moçambique porque descobri muitas coisas.
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É daqueles actores que gosta de representar mais personagens negativas do que positivas. Consegue explicar?
Acho que as personagens negativas têm mais por se explorar. Então, este meu papel no filme de João Ribeiro não foi fácil, mas com a ajuda das circunstâncias que me envolveram numa solidão no Hotel, já que o personagem é uma entidade só, permitiu-me conquistar o carácter do que se pretende na história. O João Ribeiro também ajudou-me muito na representação do meu papel, com dicas cirúrgicas, correctas e acertadas.
Precisou de chegar a Moçambique para preparar o seu papel, com muitos mistérios no enredo?
Antes de vir a Moçambique já tinha lido sobre o papel e havia idealizado alguma coisa, atirando num alvo em vão. Algumas coisas que comecei a construir, ainda em Portugal, falharam por bem quando cá cheguei. Foi determinante chegar a Moçambique, conectar-me com as pessoas, saber ouvir e crescer.

Image result for avo dezanoveAinda é cedo, mas o que acha que os telespectadores vão ganhar depois do filme ser exibido?
Tudo o que se passa no filme pode acontecer em qualquer parte do mundo. O mais importante na história é a capacidade de acreditar em algo bom. Acho que temos neste filme várias revelações de capacidades: das crianças, do soviético, da Avó Dezanove e do Flávio Bouraqui, que representa um papel fantástico, que eu adorava ter feito, mas não deu. No filme revelamos coisas positivas que podem ser feitas na nossa e na certas, de amar e, no meu caso vida dos outros. Por exemplo, capacidade de tomar decisões, de largar. Esta é uma história muito humana.

Como é o personagem que representa no filme?
Nenhuma das acções do meu personagem é cruel, mas, na visão das crianças, as circunstâncias que envolvem o meu personagem demonstram alguma crueldade porque é obrigado a fazer uma coisa que não gosta, não suporta e não aceita. Quando o personagem descobre o amor pelas pessoas e pelos lugares, vê-se na condição de fazer a coisa certa, sobre o que tem valor. Este filme pode proporcionar alguma esperança para as pessoas.

Avó dezanove e o segredo do soviético é um filme que faz alusão a determinados contextos históricos angolanos e moçambicanos. Como foi para si estar em contacto com esse passado por via do filme?
Quando a União Soviética caiu, na Rússia nós também passamos por situações parecidas com aquilo que se passou cá. Além disso, antes da viagem li sobre Angola e sobre o que aconteceu em Moçambique desde 1950. Com essa informação tentei preparar-me o máximo possível, como todos os actores devem fazer.
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O que mais exigiu de si o seu personagem?
Muito esforço emocional. Ainda no primeiro dia de rodagem – foi opção minha –, entrei numa cena a chorar. Exigiu-me muito nesse sentido, porque tinha que perceber a importância das coisas. O personagem exigiu de mim muitas mudanças pessoais.

Houve um espaço que gostou mais de gravar?
Gostei de gravar na Costa do Sol, nos primeiros dias. Enquanto gravávamos num dos dias, lembro-me que estavam ali crianças humildes numas barracas, fazendo contraste com edifícios modernos lá existentes. Elas ficaram ali a espreitar pela arte. Gostei muito daquela atmosfera, daquela sensação de as ver. Outro espaço que gostei é casa da Avó Dezanove, na Catembe, à beira-mar.

Cronótopo


Há quem diga que o Homem, na terra, é efémero e que um dia irá transcender para uma outra dimensão. E o que dizer dos objectos? Bem, se colocássemos a pergunta a João Roxo, a resposta seria, eventualmente, estão em trânsito. E logo se percebe, afinal “Objectos em trânsito” é o título da exposição do artista visual moçambicano, patente no Centro Cultural Português, em Maputo, até próximo mês. Nessa obra, feita de batik, instalação, som e vídeo, Roxo resume o que expõe ao conceito que persegue, o qual alicerça-se à promoção de uma reflexão sobre fenómenos que envolvem a humanidade e a sua presunção.
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À partida, “Objectos em trânsito” parece algo difuso, vazio e de um suspense inquietante. Precisa-se estar conectado ao espírito do criador, tentando sê-lo, para que se enxergue a profundidade das coisas que são ditas, com e sem palavras. É uma exposição multidisciplinar, na qual o artista esgota-se na exploração dos espaços no lugar onde a obra está patente. Em alguns casos, há peças da obra penduradas; outras encontram-se nas paredes e ainda outras no chão. Isso provoca e desafia-nos à medida que naqueles artefactos procuramos ouvir o que o silêncio não diz, porque não quer ou porque não pode. Sei lá… a verdade, ou pelo menos o que parece ser, é que o vazio e o difuso desvanece num zás, e, num rompante, começa-se a visualizar trechos, atalhos e o horizonte para onde se move tudo aquilo.

A propósito de movimento, isto é o que a exposição de Roxo sugere nessa projecção por vezes fílmica em que determinadas partículas partem de um lado para o outro ou transportam algo de concreto ou intangível. Por exemplo, sob os “post fear” colocados à parede do Camões, papeis transportam informação, conhecimento como princípio de tudo cuja meta é uma partilha contínua. De igual modo, o som da rádio ou das telas apresentam nas suas ondas sugerem realidades, transferindo-as de um lugar para mente. São essas ondas repetitivas que quebram o silêncio, no entanto sem o anular. É como se o som e o silêncio fossem duas faces complementares de uma moeda ideal, cheia de mensagens: “como os objectos, estamos todos em trânsito”. A este nível, a outra questão é: para onde? Nem Roxo e tão-pouco a exposição devem ter a resposta. E se tiverem, nada explícito.
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Na parede do Camões há ainda traçados a cor que nos devolvem ao raciocínio as imagens dos plásticos, esses como que veículos que transportam variados produtos. À frente dos plásticos, os fardos, também esses transportadores de roupas, calçados, etc. Portanto, de forma recorrente, os fragmentos que constituem a exposição de João Roxo revelam como o autor está preocupado com o movimento dos objectos, poluentes, “benevolentes” e informativos. Para onde isso vai? E depois, qual o problema a advir desse movimento?

Retratando os objectos, como efeito ou mesmo como causa, Roxo questiona o materialismo e dependência que isso cria em nós. Vendo a exposição nesta perspectiva, na essência, não é de artefactos que se trata a obra do artista visual. É mais ousada ao criar daí um paralelismo com que hoje define a condição humana, apegada às coisas palpáveis, se calhar, por resolverem problemas pontuais, todavia reféns a algum cronótopo. Se os objectos estão num trânsito banal e previsível, e então, o que dizer dos homens que se apegam aos mesmos? Enfim, Roxo conduz-nos a esse movimento espiral para fomentar uma introspecção em nós, quiçá para aprendermos a guardar o que não presta, de modo a encontrarmos o que é preciso.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Drib e lar a miscelânea


Pedro Pereira Lopes, o escritor moçambicano que venceu com a obra mundo grave, a 1.ª edição do “Prémio Literário INCM/Eugénio Lisboa”, participou entre os dias 20 a 29 de Setembro, em diversos eventos literários nas cidades de São Paulo, Bahia e Cachoeira, no Brasil. Depois do sucesso da sua primeira incursão editorial no Brasil, com o livro Kanova e o segredo da Caveira, Editora Kapulana (São Paulo, 2017), uma obra que, segundo a estudiosa brasileira Eliane Debus, da Universidade Federal de Santa Catarina, “convoca, inusitadamente, o rompimento com a permanência dos aspectos moralistas que o envolvem, quebrando as possíveis expectativas do leitor com uma visão unilateral. 
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No conto que sustenta a releitura, o medo é evocado a todo instante e é por meio dele que a obediência cega se justifica. Na releitura de Lopes (2017), outra possibilidade de driblar o discurso autoritário se efectiva. Pedro Pereira Lopes escala Brasil, num périplo que iniciou no dia 21 de Setembro, em São Paulo, onde na Casa Amarela, participou de uma mesa redonda com o escritor brasileiro Escobar Franelas, seguindo no dia 22 de Setembro, para a cidade de Cachoeira, no Recôncavo da Bahia, na qualidade convidado da 13ª edição do Caruru dos Sete Poetas, evento que contou com a participação de escritores brasileiros, como Ricardo Aleixo, Fabiana Lima, Celso Lopes e Rómulo Bustos Aguirre, da Colômbia, entre outros, onde irá apresentar o segundo livro, a mão do Portuário Atelier Editorial (Bahia), “mundo blue (o poema em quarentena)”, seu segundo livro de poesia.
Caruru dos Sete Poetas é um evento que une à literatura um momento da tradição cultural e religiosa baiana, caruru dos sete meninos, de reverência aos Ibejis, da tradição afro-brasileira, e aos santos católicos São Cosme e Damião. Numa analogia aos sete meninos das manifestações religiosas, este projecto promove o encontro de sete poetas para recitar seus versos e celebrar nossa cultura e arte literária. É a miscelânea da poesia, comida baiana, exposição/comercialização de livros e performances artísticas numa celebração pública e integradora. No dia 24 de Setembro, regressou a São Paulo, para participar num colóquio sobre literaturas da língua portuguesa na Universidade Federal de Guarulhos.

Related image   Pedro Pereira Lopes nasceu na Zambézia, em 1987. Membro da Associação dos Escritores Moçambicanos, é pesquisador e docente no Instituto Superior de Relações Internacionais. Obras e prémios: Setenta vezes sete e outros contos (não-publicado, 2009), 3º lugar no concurso de ficção narrativa João Dias; O homem dos 7 cabelos (infanto-juvenil, 2012), Prémio Lusofonia/ Município de Trofa (2010); Kanova e o segredo da caveira (infanto-juvenil, Maputo, 2013; São Paulo, 2017); Viagem pelo mundo num grão de pólen e outros poemas (infanto-juvenil, Maputo, 2014; São Paulo, 2015); o mundo que iremos gaguejar de cor (contos), Menção honrosa do Prémio Literário 10 de Novembro (Maputo, 2015) e Menção honrosa do Prémio Literário Eduardo Costley-White (Lisboa, 2016); O comboio que andava de chinelos (infanto-juvenil, no prelo), Prémio Maria Odete de Jesus (2016); A História de João Gala-Gala (2017), Mundo Grave, Prémio Literário INCM/Eugénio.(x