quinta-feira, 26 de abril de 2012

“koisan”

Na tentativa de controlar a pressão vinda do intestino grosso, correu como uma légua para o local onde se marca cantos e, sem tempo de se cobrir com a capulana, abriu as pernas e, sem ajoelhar, baixou a saia do guarda-roupa e “zás”, libertou-se do inferno natural e nem teve tempo de se desembaraçar da sujeira. O público festejou.
Estávamos numa missão atípica, de levar as populações à importância de preservar o meio ambiente como um dos recursos vitais para o desenvolvimento sustentável de Moçambique. A caminhada já tinha passado por várias províncias desta Pérola do Índico, a terra de gente pacífica, de homens rodeados de paisagens belas, praias intermináveis, floresta em constante devastação, assim como pelo “explorador” que o recebemos de mãos abertas.
Nessa tarde de calor intenso, com os olhos vermelhos pela dureza do sol, pisámos pela terceira vez o campo do Ferroviário de Gondola, província de Manica, uma infra-estrutura que se degrada a olhos vistos e todos, de barriga cheia, reclamamos falta de campos. Que desperdício!
Dizia que nos encontrávamos naquele campo que outrora foi um cartão de visita, e as bancadas estavam superlotadas de gente ávida em ver os corpos a esmolecer ao som dos batuques e ritmos misturados, que representavam a dimensão cultural da pátria amada.
De tangas e saias meticulosamente preparadas pelas mãos de Domingos Mbochana e seus pares, entrámos num palco improvisado para chamar o povo de Gondola à atenção com a natureza, com a coreografia “Árvore Sagrada”, obra cozida artisticamente pelo “Feiticeiro Makonde”, Casimiro Nhussi.
Os tambores rufaram na imensidão da tarde gloriosa, cuja afinação tocou nos corações e nas almas da gente que lotava a plateia. Os cantares dos bailarinos atingiram os céus, que até fizeram a “Cabeça do Velho” erguer os tímpanos e pôr o nariz a dançar Makwai, no seu repouso estático. O espectáculo ia a meio, com o público no silêncio da tarde quente, onde a força dos passos executados pelos bailarinos destruía as latrinas precárias nas redondezas do campo, quando, de repente, o meu “sobrinho”, que se encontrava no palco a representar com perícia o corpo em movimentos tradicionais, saiu do palco e desatou a correr para o centro do terreno. Os colegas que se encontravam no palco em missão divina ficaram atónicos, mas sem parar de dançar. O público, esse, começou a bater palmas efusivamente, para o gáudio dos bailarinos, pois pensavam que aquela ovação fosse para eles. Puro engano!
O meu “sobrinho”, baixinho que até parecia membro da etnia “koisan”, continuava com a sua correria. chegou ao centro do campo, parou, olhou nos lados, qual Messi quando festeja mais um golo, ajoelhou-se, fez sinal de quem quisesse tirar as saias do guarda-roupa da coreografia, desistiu. Correu de novo para uma das balizas do campo, chegou à meia-lua do rectângulo do jogo, parou de novo, voltou a reparar para os lados, tinha colocado as mãos nas suas nádegas. Deu um sinal a um dos colegas, mas ninguém deu atenção, os bailarinos estavam concentrados em “destruir” o relvado do campo de futebol, com as suas “excentricidades” artísticas e, também, construir um mundo verde e puro. Numa correria que só podia ser ultrapassada pelo jamaicano Usain Bolt, o “sobrinho” voltou ao palco, levou uma capulana pertencente a uma das colegas, de novo fez-se ao lado oposto do palco. Na corrida, amarrava a capulana como se de um “mulumuzana” tratasse. O público levantou-se das bancadas, deixou os bailarinos a dançarem para o vazio e seguiu o espectáculo “solitário” do meu “sobrinho”.
Quando chegou à linha lateral, procurou pelos arbustos, nada havia, aproximou-se da árvore que oferecia sombra aos espectadores, que não conseguiram “vaga” nas bancadas, o local não era seguro. O meu “sobrinho” dançava sozinho no palco do sofrimento. A sua barriga tornava-se tumefacto pelo esforço que fazia para conter a ira da convulsão estomacal. Numa decisão cirúrgica, parou diante do público “faminto” em absorver a nova proposta do espectáculo e, perante o olhar “feliz” do povo, deu umas fintas espectaculares, driblou o seu próprio destino, tentou passar a “bola” ao colega ninguém, mas sem resultado. Na tentativa de controlar a pressão vinda do intestino grosso, correu como uma légua para o local onde se marca cantos e, sem tempo de se cobrir com a capulana, abriu as pernas e, sem ajoelhar, baixou a saia do guarda-roupa e “zás”, libertou-se do inferno natural e nem teve tempo de se desembaraçar da sujeira. O público festejou. O “sobrinho” anuiu com os braços no ar, era o “rei” da tarde.
Depois do alívio, o “sobrinho” voltou ao palco e entrou na parte final da espectáculo e os espectadores vibraram, os bailarinos ganharam outra adrenalina, mas o cheiro nauseabundo que inundava o palco fez com que todos artistas colocassem as mãos nas narinas e gritassem como se fosse o princípio da morte. Na apoteose, o público invadiu o palco para pedir autógrafos ao “Messi da dança” e em todas a assinaturas escreveu: a força da dança em tarde de sol quente.

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