segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Um cultor de jazz

O pianista Adérito Gomate (natural da Zambézia),que morreu ontem vítima de doença (a causa última foi uma paragem cardiorrespiratória),era um apaixonado do jazz, influenciando com isso as sonoridades da iconográfica banda Alambique (engenharia artesanal de produção de álcool), de que foi co-fundador em 1984, juntamente com compositores ecléticos como Hortêncio Langa, Arão Litsure e Childo Tomás (o baixista que zarpou para o estrangeiro; umavez descobri-lhe na Time Out de Nova Iorque, e fui vê-lo tocar, com Omar Sosa, no BlueNote, ali nos recantos boémios da Greenwich Village.) 

Gomate tinha estudado música no Centro de Estudos Culturais, especializando-se em piano e guitarra. O Centro de Estudos Culturais foi o embrião da Escola Nacional de Música e funcionou ali onde hoje é a sede da UP (Universidade Pedagógica) e já foi Escola SecundáriaGeneral Machado, no tempo colonial. Após concluir o curso, ao longo da sua vida profissional, Adérito trabalhou como pianista nos hotéis Andalucia, Polana e Avenida. Dedicou-se ao ensino, leccionando aulas de música na Escola Internacional de Maputo e colaborando com o INDE (Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação) na produção de manuais de educação musical para o Ensino Básico. 

O mote para a criação do Alambique, que começou a ser operacionalizado em 1984, foi a digressão feita em 1979 por Cuba, Jamaica e Guiana e, especificamente, o facto de Hortêncio e Arão terem visto, na Jamaica, o Grupo Third World (Terceiro Mundo). Nesta altura actuavam em Duo, mas perceberam que apenas com as suas duas guitarras não conseguiriam fazer tudo com que passaram a sonhar, sentiram que era necessário ter um grupo maior, uma Banda. 

De acordo com Arão Litsure, o Alambique resulta, em grande medida, do seu crescimento musical e do Hortêncio, com significativa experiência de actuações e com um certo estímulo proporcionado pelo memorável espectáculo na Jamaica, onde tiveram oportunidade de ver Peter Tosh e o já mencionado Third World Group.

Para a constituição da banda, Arão e Hortêncio procuraram ser cautelosos e rigorosos na selecção e recrutamento de membros, pelo que fizeram vários contactos e experiências, até chegar à composição final do grupo.

Para pianista do Alambique, foram feitas experiências com Tiago Langa, que era professor na escola de música, com quem ainda conseguiram gravar alguns temas, Alexandre Honwana (Alex Honwana), um grande entusiasta de Jazz, estudioso e pesquisador de música e que cantava música gregoriana e, ainda com Mundinho (Edmundo Gomes), um pianista experimentado.

Adérito Gomate foi convidado após uma sessão com músicos soviéticos, que fizeram um espectáculo em Moçambique e na qual o Adérito participou. 

Esta sessão foi seguida por uma Jam Session, em que Hortêncio estava presente e lhe permitiu perceber que o Adérito era capaz de se alinhar e integrar-se no espírito dos temas que o Alambique tocava e, com esta motivação Adérito Gomate foi convidado para pianista do Alambique, onde permaneceu até à sua morte.

Uma nota do grupo Alambique realça a sua “sensibilidade e conhecimento musicais” e uma prestação de “grande valia na prossecução dos objectivos de inovar e modernizar a música moçambicana dentro e fora do País”.

A nota aponta que Adérito Gomate era um apaixonado cultor do jazz, tendo, por conseguinte, protagonizado uma experiência notável com a iniciativa de criar uma Big Band, com a colaboração de músicos da banda da Polícia de Moçambique. Com o Alambique o Grupo de jazz de Maputo, Gomate abrilhantou momentos áureos das sessões de jazz nos Restaurantes Costa de Sol e Topázio, conquistando a admiração e o respeito dos amantes daquele género musical.

 “A inesperada partida de Adérito Gomate deixa um profundo vazio nos corações dos seus colegas e uma enorme instabilidade na carteira de projectos que a Banda Alambique se propõe realizar com vista ao desenvolvimento da música moçambicana. Não obstante, o legado de Adérito Gomate perdurará na nossa memória como exemplo de entusiasmo e dedicação à cultura e a música moçambicanas”, lê-se na nota. (M.M., com Aíssa Issak/Carta)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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