Avó Dezanove
e o segredo do soviético é o título da nova longa-metragem de João Ribeiro. O
elenco da produção cinematográfica conta com o actor russo, a residir em
Portugal, Dimitry Bogomolov. Nesta entrevista, o actor que representa o papel
de soviético refere-se à sua participação no filme e ao impacto que a obra do
realizador moçambicano, adaptada do livro de Ondjaki, pode ter nos
telespectadores.
Nesta sua primeira viagem a Moçambique integra o elenco da segunda
longa-metragem de João Ribeiro. Por que aceitou o convite?

É daqueles actores que gosta de representar mais personagens negativas do
que positivas. Consegue explicar?
Acho que as
personagens negativas têm mais por se explorar. Então, este meu papel no filme
de João Ribeiro não foi fácil, mas com a ajuda das circunstâncias que me
envolveram numa solidão no Hotel, já que o personagem é uma entidade só,
permitiu-me conquistar o carácter do que se pretende na história. O João
Ribeiro também ajudou-me muito na representação do meu papel, com dicas
cirúrgicas, correctas e acertadas.
Precisou de chegar a Moçambique para preparar o seu papel, com muitos
mistérios no enredo?
Antes de vir
a Moçambique já tinha lido sobre o papel e havia idealizado alguma coisa,
atirando num alvo em vão. Algumas coisas que comecei a construir, ainda em
Portugal, falharam por bem quando cá cheguei. Foi determinante chegar a
Moçambique, conectar-me com as pessoas, saber ouvir e crescer.
Tudo o que
se passa no filme pode acontecer em qualquer parte do mundo. O mais importante
na história é a capacidade de acreditar em algo bom. Acho que temos neste filme
várias revelações de capacidades: das crianças, do soviético, da Avó Dezanove e
do Flávio Bouraqui, que representa um papel fantástico, que eu adorava ter
feito, mas não deu. No filme revelamos coisas positivas que podem ser feitas na
nossa e na certas, de amar e, no meu
caso vida dos outros. Por exemplo, capacidade de tomar decisões, de largar.
Esta é uma história muito humana.
Como é o personagem que representa no filme?
Nenhuma das
acções do meu personagem é cruel, mas, na visão das crianças, as circunstâncias
que envolvem o meu personagem demonstram alguma crueldade porque é obrigado a
fazer uma coisa que não gosta, não suporta e não aceita. Quando o personagem
descobre o amor pelas pessoas e pelos lugares, vê-se na condição de fazer a
coisa certa, sobre o que tem valor. Este filme pode proporcionar alguma
esperança para as pessoas.
Avó dezanove e o segredo do soviético é um filme que faz alusão a
determinados contextos históricos angolanos e moçambicanos. Como foi para si
estar em contacto com esse passado por via do filme?
Quando a
União Soviética caiu, na Rússia nós também passamos por situações parecidas com
aquilo que se passou cá. Além disso, antes da viagem li sobre Angola e sobre o
que aconteceu em Moçambique desde 1950. Com essa informação tentei preparar-me
o máximo possível, como todos os actores devem fazer.
O que mais exigiu de si o seu personagem?
Muito
esforço emocional. Ainda no primeiro dia de rodagem – foi opção minha –, entrei
numa cena a chorar. Exigiu-me muito nesse sentido, porque tinha que perceber a
importância das coisas. O personagem exigiu de mim muitas mudanças pessoais.
Houve um espaço que gostou mais de gravar?
Gostei de
gravar na Costa do Sol, nos primeiros dias. Enquanto gravávamos num dos dias,
lembro-me que estavam ali crianças humildes numas barracas, fazendo contraste
com edifícios modernos lá existentes. Elas ficaram ali a espreitar pela arte.
Gostei muito daquela atmosfera, daquela sensação de as ver. Outro espaço que
gostei é casa da Avó Dezanove, na Catembe, à beira-mar.