São sete anos de carreira e dezenas de vidas já vividas. Encarna a
violência em personagens que buscam por uma redenção que quase nunca chega.
Isto é a vida. E a actriz parece saber. Por isso, amplia, no palco, as vidas
encolhidas no silêncio de milhares de quartos. Eis o retrato de Sufaida Moyane,
violência encarnada
Muitas
vezes é verbal, psicológica, velada nos rótulos colocados à testa que não
permitem a mulher ir além da quadratura em que foi colocada pelo machismo
reinante. Mas noutras vezes – e muitas – é física, escancarada na infância
roubada ou na maternidade que se lhe é negada. São vidas de violência
encarnadas por Sufaida Moyane (n. 1990), numa carreira iniciada formalmente em
2013.
Talvez
seja demasiado duro chama-la duma actriz que encarna a violência, mas parece
ser na violência que encontramos a expressão máxima da representação como
actriz. Há mais personagens lá para o início. Mas foi escancarada, o que ajuda
a perceber a força das outras interpretações, em “Mima/Pedras”, dirigido por
Rogério Manjate. É/foi um espectáculo-actriz, é Sufaida mais o silêncio, mais o
medo, mais o trauma, mais as pedras que lhe seguem por todo lado. As pedras são
uma metáfora, mas podiam não ser, porque a elas é demasiado intrínseca a
dimensão de estorvo; a construção do castelo – daquela frase de auto-ajuda -
apenas lhe confere outra forma, mas continua presente a ideia de barreira no
acesso ao outro ou ao outro lado.
“Mima/pedras”
é/foi o retrato sobre a violência que nos entra casa adentro com um sorriso no
rosto e que não nos faz perceber-lhe as reais intenções. Quem viu Sufaida
Moyane neste espectáculo encontra a matéria com que representou depois os
outros papéis. Ao interpreta-la, aprendemos um pouco de como as experiências
reais emprestam muito à arte, como é infrutífera a ideia de as colocar em
planos diferentes como se tivesse uma cortina de ferro entre eles.
Voltamos
a encontrar essa violência em “Os Netos de Ngungunhana”, criação colectiva e
“Incêndios”, de Victor de Oliveira, dois espectáculos que tem as guerras como
pano de fundo e que parecem ser natural e legitimadoras da violência. No
primeiro, entre várias cenas, há uma que a actriz faz de uma mãe que chora a
eminência de lhe ser tirado um filho que lhe está ainda para sair do ventre, é
tão violenta a iminência, como o esventrar de facto que Sufaida suada
representa. Como o também é, noutro, a violência de ter de entregar o filho à
vida e depois passar a vida a procura-lo até encontra-lo no homem que a violou
enquanto esteve presa.
Ela
interpreta as personagens com a força de quem olha o teatro, o palco, como a
caixa de pandora, de quem parece buscar, com a personagem, uma redenção que
quase nunca chega. A expressão maior é “(Des)mascardos”, de Venâncio Calisto. O
espectáculo pode ser visto sobre diversas bandeiras, mas à luz do contexto
actual, em que, um pouco por todo mundo, os movimentos feministas – com eles as
mulheres - ganham força, não é difícil olha-la - até porque é assim que o
dramaturgo e encenador a anuncia - colado a ideia de luta do género. O texto
soa como se tivesse sido construído para que tomemos o partido de Amélia, uma
mulher que nega à máscara que esteriliza a mulher, com a violência verbal e os
estereótipos de que falámos no início. Sufaida Moiane faz de Amélia. Uma
personagem que já havia sido interpretada por Lucrécia Paco. Já também havia
encarnado outra personagem antes feita por Paco, Xidjana no clássico “os
meninos de ninguém”, do Mutumbela Gogo. Talvez por isso muitas vezes
comparam-na a Lucrécia Paco. Mas nunca tentou fazer as personagens sob o mesmo
rótulo, aproveita-se da mobilidade que os espectáculos dão a cada uma das
personagens para transforma-los em seus, sempre colocando cor própria. Até em
espectáculos que é a primeira actriz não se deixa levar pelo encenador. Vimos,
em alguns ensaios de “As visitas do Dr. Valdez”, também de Venâncio Calisto, em
que fazia Sá Caetana como é exigente com ela mesma, sempre a voltar ao início,
a procurar no corpo os gestos que condizem com o que se pretende dizer, a
procurar na voz o tom reflexo da idade que a personagem sugere, sem cair nas
armadilhas das caricaturas de velhinhos, neste nosso contexto teatral em que a
falta de continuidade obriga actores e actrizes há um envelhecimento cénico
precoce.
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