A
Ilha de Moçambique está a sofrer alterações na sua arquitectura, sobretudo nos
bairros de “macute” que são uma espécie de favelas que se encontram logo à
entrada para quem chega pela famosa ponte de 3 km que liga a parte insular à
ilha. Já na cidade de pedra o grande problema nota-se nas obras de restauração
das ruínas que não cumprem estritamente com a obrigatoriedade de uso do
material original que é pedra e cal.
“Esta ilha pequena que habitamos é, em
toda esta terra, certa escala; de todos os que as ondas navegamos; de Quíloa,
de Mombaça e de Sofala. E, por ser necessária, procuramos, como próprios da
terra, habitá-la. E porque tudo, enfim, vos notifique, chama-se a pequena ilha
‘Moçambique’”, assim escreveu Luís de Camões no famoso livro “Os lusíadas”,
quando depois de ter vivido na Índia ao serviço da coroa portuguesa como
militar e poeta passou pela Ilha de Moçambique, viveu por dois anos enquanto
esperava o barco que o levaria de volta a Portugal e sentiu-se num lugar
especial.Esse encanto já tinha sentido o seu conterrâneo Vasco da Gama quando
em 1498 desembarcou naquele pedaço insular durante a viagem de descobrimento
para a índia. A partir dessa altura começou a povoação europeia e fizeram-se as
primeiras construções por volta de 1520, aliás, a igreja de Nossa Senhora de
Baluarte que fica atrás da fortaleza de São Sebastião é o edifício mais antigo,
porém, muito antes da chegada dos portugueses a ilha de Moçambique era um
importante entreposto comercial em toda a África Oriental.

Em 1991 a Ilha de
Moçambique foi declarada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura, UNESCO, património mundial da humanidade, onde pesou a
originalidade das suas construções em termos arquitectónicos, o material empregue,
essencialmente a pedra e cal e as casas com cobertura de “macute” – uma espécie
de palha. Como disse um músico nacional, “é fácil conquistar a fama, mas
mantê-la é difícil. É precisamente o que
se assiste nos últimos anos, onde nos bairros de “macute” as casas tradicionais
estão a ser gradualmente substituídas por outras de traço arquitectónico que
não tem nada a ver com o passado, violando a legislação específica que rege
aquele património edificado.
Muhammad Cássimo é arquitecto, nativo e residente na Ilha de
Moçambique.
É
uma das vozes que mais se revoltam perante a destruição progressiva a história
patrimonial da sua terra. “O que inquieta mais é o desrespeito que tem-se
verificado ultimamente nas questões de conservação do património edificado muito
mais direcionado para os novos projectos, os projectos em construção que para a
sua aprovação muita das vezes nem o Município, nem o Gabinete de Conservação da
Ilha de Moçambique tem feito a leitura e o aconselhamento perfeito para
conseguirmos manter o traço arquitectónico patrimonial da Ilha”. O traço
arquitetónico é algo que foi tomado em conta para a declaração como património
da humanidade. Por isso a sua conservação é um imperativo. É nesse espírito que
o próprio Regulamento Sobre a Classificação e Gestão do Património Edificado e
Paisagístico da Ilha de Moçambique, aprovado pelo decreto 54/2016, de 28 de
Novembro, diz no seu artigo 9º que “A conservação, restauro, reabilitação e
manutenção do património edificado da Ilha de Moçambique devem ser feitos com
estrito respeito às características arquitectónicas, tendo em conta a
volumetria, terraços e fachadas, não encorajando as novas construções, salvo
para casos que tenham um interesse público inquestionável”.
Outra
obrigação imposta na legislação é o emprego de material que foi usado
originalmente que é pedra e cal, com vigas de suporte feitas de um tipo de
madeira. Entretanto, as obras de hoje levam bloco convencional e cimento. O
actual edil, Gulamo Mamudo, tem uma justificação para o não cumprimento
rigoroso dos regulamentos: “neste momento há falta de cal na Ilha de
Moçambique. Temos que apertar as pessoas depois de termos material à
disposição”.Tratando-se de um lugar histórico, as licenças para a realização de
obras são emitidas pelo Conselho Municipal, depois de um parecer técnico do
Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique. Entretanto, neste momento, as
duas instituições parece não se entenderem.
“Não
pode existir um presidente do Conselho
Municipal que esteja à margem das leis. Se existe um regulamento todos nós
somos obrigados a prestar obediência a essa legislação”, declara Celestino
Jeremula, director do Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique. O assunto
é de conhecimento da Procuradoria Provincial em Nampula que esteve no terreno
recentemente para averiguar os problemas e deixou recomendações, segundo disse
o magistrado Atanásio Saturnino em entrevista ao nosso jornal.
“Eles têm que,
por um lado, fazer um embargo administrativo e se a entidade que estiver a
desenvolver uma actividade sem o cumprimento dos regulamentos tem que
participar imediatamente ao Ministério Público que tem o poder de agir,
inclusivamente, judicialmente porque representa o Estado em defesa de
interesses colectivos e difusos”.Dentre as riquezas da Ilha de Moçambique estão
os vestígios arqueológicos, por isso está definido por lei que “Todos os
projectos que impliquem obras de escavação, remoção ou alargamento de terras ou
a remoção de objectos submersos ou soterrados, ou mesmo de intervenção nos edifícios
devem incluir trabalhos de arqueologia de salvaguarda, na área abrangida pelas
obras”.
Só
que na prática, não é o que acontece. O Professor Ricardo Teixeira Duarte é arqueólogo há mais de 40 anos. É
responsável pela criação do primeiro centro de arqueologia da Universidade
Eduardo Mondlane na Ilha de Moçambique.O pesquisador diz-se arrepiado porque em
muitas escavações nas obras não está lá um arqueólogo.“Em qualquer buraco que
se faça aqui aparece história, portanto, é preciso um cuidado enorme. Não se
pode escavar de qualquer maneira. Cada buraco que estamos a fazer sem o
acompanhamento de um arqueólogo estamos a desperdiçar uma informação
importantíssima. É como se fossemos para um arquivo histórico e desactassemos a
queimar os documentos ou manuscritos”.

O ministro da Cultura e Turismo, Silva Dunduro está a par do que está a
acontecer na Ilha de Moçambique e diz que esta segunda-feira tem um encontro
com a UNESCO para discutir o que se pode fazer. “Grande parte das ruínas
pertence a pessoas privadas e normalmente não fazerem restauro. Em alguns casos
destroem para fazerem novas infra-estruturas. De facto isso é contra senso
daquilo que é a visão do património cultural mundial. Mas estamos a trabalhar
junto da UNESCO. Na segunda-feira vamos ter um encontro junto da UNESCO para
voltarmos a falar sobre isso”.A UNESCO tem registados 54 sítios na lista de
património em risco, em 33 países, dos quais 13 em África.Refira-se que uma vez
declarado um património por aquele organismo das Nações Unidas, cabe ao
respectivo país a sua conservação.Entretanto, há benefícios que advém dessa
declaração como a visibilidade mundial que atraiu consigo o turismo, o estudo
científico e no caso de Moçambique, quando solicitado, a UNESCO disponibiliza
dinheiro para planos de gestão, formação em património subaquático e redução de
risco de desastres.
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