Há algum tempo que o sonho de se tornar Melhor
Jovem Actriz Africana acompanha Melannie de Vales, hoje com 23 anos de idade.
Enquanto o sonho não se concretizou, a actriz moçambicana trabalhou para que
tal pretensão se tornasse real em 10 anos. No entanto, tudo aconteceu mais
rápido, pois ainda no “início” de carreira a Academia Sotigui do Burquina Fasso
rendeu-se ao talento moçambicano, laureando-o no dia 1 de Dezembro. Nesta
entrevista, a actriz refere-se ao prémio conquistado, à aprendizagem e aos
sonhos por que luta.
É Melhor
Jovem Actriz Africana. Que emoções despertou em si vencer o prémio no Burquina
Fasso?
Para ser honesta, foi a concretização de uma coisa
que já sonhava há muito tempo, desde pequena. Esperava que a distinção feita
pela Academia Sotigui, sediada no Burquina Fasso, acontecesse, mas daqui a uns
10 anos. Ter vindo antes, significa muito mais responsabilidade, muito mais
trabalho e muito mais aprendizado, acima de tudo. Foi bom conquistar o prémio e
dedico-o a todos os moçambicanos.
Que
relação estabelece entre o prémio atribuído pela Academia Sotigui, Comboio
de sal e açúcar e o cinema moçambicano?
Comboio de sal e açúcar foi um filme que me
ensinou muito. A Rosa [personagem interpretada por Melannie de Vales no filme
de Licínio Azevedo] é uma mulher muito astuta e assertiva. Muitos dos valores
que aquela personagem defende ensinaram-me imenso. E este aprendizado valem-me
como mulher e como actriz.
O papel
que desempenhou no Comboio de sal e açúcar tem que ver com um certo
passado de Moçambique. Resgatar esse tempo, esse espaço e essa memória o que
significou para si e o que espera que venha a significar para os que pretendem
conhecer a história do país?
Acredito que muita gente da minha geração, tal e
qual como eu, não fazia ideia do que foi a guerra civil em Moçambique. Neste
filme houve muita coisa que até podia saber, mas não sabia o quão grave foi.
Por isso, eu acho que o Comboio é um filme de grande aprendizado para as
pessoas da minha geração e para as que ainda veêm. O filme é muito importante
para qualquer pessoa moçambicana.
O que acha
que pesou para a premiação Melhor Jovem Actriz Africana?
Primeiro, eu não estudei teatro e nem estudei
cinema. Entretanto, todos os filmes que eu fiz contribuíram para aquela actriz
que me tornei. Segundo, O comboio de sal e açúcar exigiu muito de mim, a
Rosa exigiu muito de mim. Acredito que a combinação destes dois factores
contribuíram para que eu vencesse o prémio no Burquina Fasso.
Além de
si, o actor angolano Matamba Joaquim, que também é protagonista no Comboio
de sal e açúcar, foi distinguido na primeira semana deste mês. No caso
dele, como “Novo Talento”, em Portugal. Que impacto pode advir daí em relação
ao cinema moçambicano?
Todos os prémios que vieram, quer para os actores
quer para outras categorias, revelam que o Licínio tem muito bom gosto naquilo
que ele escolhe para dar vida, na forma como ele escreveu o Comboio e na
produção que ele escolheu. Felizmente, durante as gravações, nós não tínhamos
nada daquilo de que este é papel da Melannie e aquele do João. Não. Tudo era
para todos e toda a equipa envolvida no filme contribuiu para que os prémios
acontecessem. Sinto-me muito feliz pelos prémios por nós conquistados porque
mostram que nós conseguimos aprender o que o Licínio esperava que aprendêssemos
da Rosa e Taiar, que foram papéis muito exigentes.
Qual é o
prémio que espera que resulte dos vários prémios conquistados pelo Comboio?
Penso que os prémios já conquistados foram a maior
bênção que poderíamos ter. O filme teve prémios em grandes festivais do mundo.
Nós ganhamos o Melhor Filme na África do Sul, na Tunísia, na Suíça e no Marrocos.
Um filme moçambicano ser distinguido à volta do mundo, feito por Licínio e ser
apreciado por pessoas de outras regiões é algo incrível e, portanto, esse foi o
maior prémio, digamos assim.
É um
milagre Comboio de sal e açúcar vencer tantos prémios, considerando as
dificuldades que o cinema moçambicano enfrenta para conseguir financiamento e
coisas de género?
Claro. Temos muitas adversidades. De certeza.
Então sermos tão premiados é uma bênção.
Quando
Licínio convidou-lhe a integrar o elenco do filme, imaginou que, depois de se
familiarizar com o seu papel, que daí poderia surgir uma premiação para si?
Eu sempre digo que o Comboio ensinou-me a
sonhar, desde os Óscares, que nós conseguimos lá chegar, a muitos outros
prémios. Há muita coisa que passei a perceber e a prestar mais atenção depois
de passar pelo Comboio. E quando fui convidada para o filme fiquei
eufórica, claro.
E de forma
cor-de-rosa?
Muito, muito cor-de-rosa.
E agora em
diante, quais os novos sonhos a sustentar nesta entrega ao cinema?
Ainda estou a digerir este sonho que era distante
e que acabo de conquistar. Tornou-se realidade muito cedo. O que me ocorre,
agora, é fazer novas produções e conquistar outros mercados e patamares.
Sempre
sentido o peso do trofeu Sotigui?
É uma grande responsabilidade. Percebi isso quando
recebi mensagens de muita gente no estrangeiro. As pessoas disseram-me que se
realizaram no meu prémio. Mesmo sem me conhecerem, trataram-me como irmã, amiga
e isso transmite responsabilidade. Enfim, o prémio não é meu, é de Moçambique
inteiro.
Que lhe
ocorre dizer às mulheres que querem ser actrizes ou artistas?
Infelizmente, esta profissão não é muito fácil. No
entanto, se for mesmo isso que desejam ser, que não desistam dos seus sonhos e
não permitam que as arranquem a única coisa que temos de tão nosso… nada é tão
nosso quanto os nossos sonhos.
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