O tumulo de Zinthambira localiza-se no povoado de Folofia, a 10km da vila de Ulóngue. Zinthambira foi um régulo da dinastia Nguni, um grupo étnico que emigrou para se fixar na zona de Angónia,Provincia de Tete, Moçambique.Era um grupo guerreiro que lutou contra outras etnias moçambicanas e contra a ocupação dos Portugueses
terça-feira, 25 de dezembro de 2018
sábado, 24 de novembro de 2018
Poemas para Brincar
Conheci o Celso C. Cossa (CCC) há seis anos, por intermédio
de uma rede social. Colaborou na web-revista que, eu na época publicava, a
Lidilisha, e foi um participante frequente dos eventos promovidos pelo
Movimento Literário Kuphaluxa. Escritor experimentalista – recordo-me de um
fascículo de poesia neo-concreta –, abdicou dos demais géneros literários e
dedica-se, por agora, a escrever exclusivamente infanto-juvenis, “em busca da
especialização”, assume ele. Começou a publicar em 2015, consequência do prémio
que venceu (Prémio Nacional 25 de Maio – PAWA), e desde lá, apresentou ao
público mais dois livros, incluindo um de poesia, “O Gil e a Bola Gira e Outros
Poemas para Brincar” (EPM-CELP, 2016), que contém fabulosas ilustrações do
versátil artista plástico e gráfico Luís Cardoso. Como testemunho da sua
dedicação à literatura, CCC conta com três menções honrosas em prémios
literários, duas atribuídas pelo Prémio Matilde Rosa Araújo – Trofa, Portugal
(para os livros “Dandiwa – a menina que ganhou uma bolsa de estudo” e “O Sol e
o Solzinho”, ambos inéditos), e a última, no Prémio Literário 10 de Novembro
(“Ensaio sobre o linchamento”, também inédito). Em 2017, CCC foi a atracção
especial da 1ª edição do Festival do Livro Infantil Kulemba (FLIK), realizada
na cidade da Beira.
A entrevista que se segue ocorreu durante uma viagem de
carro, de 4 horas, e é o prelúdio de uma série de aparições do autor com vista
a apresentação do seu novo livro, “O menino que odiava números”, a ser lançado
no primeiro trimestre de 2019.
Pedro Pereira Lopes
(PPL): Antes de ser
um escritor publicado em livro, o Celso C. Cossa aventurava-se em um pouco de
tudo, poesia, crónicas, críticas literárias… Redefiniu-se? Encontrou a sua
vocação?
PPL: Não pretende publicar, por exemplo, os seus poemas em livro?
CCC: O poeta Paulo Leminski só acreditava na poesia e nos poetas
que continuavam poesia ou poetas depois de várias décadas de terem sido gerados
como tal. Todo o adolescente é um poeta (em potência). Com o desvanecer da
adolescência, a cada dia que passa, vamos nos achando menos poetas… até que a
fase adulta no mostra que fomos demasiado estúpidos em pensar que um dia fomos
poeta, ou o contrário. Então... o escritor jamais deixa de publicar o que
escreve, ou seja, o esquecimento é uma forma de publicar.
PPL: Em nota ao seu primeiro livro (“7 Estórias sobre a origem de
quem come quem”), o CCC esclarece: “cada estória contada é um portal mágico que
nos leva a muitas outras…”, isto porque a realidade é mais complexa?
CCC: Sem a realidade a ficção não existiria. O papel da arte, no
caso, da escrita literária, é o de sugerir realidades. Seja partindo do
rudimentar ao complexo, e vice-versa. A realidade é mais complexa que a ficção?
Não. A ficção é apenas um espelho distorcido da realidade. Daí que faz todo o
sentido que cada estória contada seja um portal mágico que nos conduz a outras.

CCC: O termo certo seria sugerir e não explicar. Os professores é
que explicam. Os escritores sugerem (ou pelo menos concorrem para tal). Este
livro foi escrito em sete dias (a culpa é do Eduardo Quive). Para o Prémio 25
de Maio 2015. Escrevi-o baseado nas estórias que me foram contadas na meninice.
Em casa, na rua e na escola. E como não há ficção que consiga um distanciamento
considerável da realidade, sim, é possível que elas “tentem” explicar a origem
sangrenta da moral e da paz. Ademais, estabeleceria um meio-termo entre Lucílio
Manjate e José dos Remédios. O primeiro vê, nestas estórias, o quão prejudicial
– moral e socialmente –, pode ser para o todo a quebra dos contratos entre as
partes. Para o último, estás estórias retratam como é que as hostilidades
emergem num contexto de convivência saudável.
PPL: Por falar em sugestão, em seu segundo livro, “O Gil e a Bola
Gira…”, insinua, “são poemas para brincar”. Como supõe que as entidades
responsáveis possam fazer este brinquedo, o livro, chegar às crianças que não
vivem nas grandes cidades?
CCC: Antes de responder, gostaria de dizer que o livro “O Gil e a
Bola Gira e Outros Poemas para Brincar” foi escrito durante um período em que
eu esperava a chegada do meu primeiro filho, o Cossa Filho, representando
aquele presente não “comprável por dinheiro”. Quanto à questão, diria que, se
todos os intervenientes na formação das nossas crianças vissem o livro como um
presente a oferecer – para contribuir na formação de um adulto melhor –, o
livro seria subsidiado pelo governo; o livro faria nascer mais bibliotecas e livrarias;
o livro lembraria aos pais e encarregados que eles querem ser comprados para
que as crianças os leiam; o livro seria o destino de alguns passeios; o livro
teria asas para voar até aos lugares mais improváveis deste país.
PPL: Os seus três livros publicados são dedicados aos mais novos.
Tem tido algum feedback por parte da crítica e do seu público leitor?
CCC: Considero-me um escritor de estrada pequena. Mas sortudo,
entretanto. Pois a estrada percorrida pela literatura infanto-juvenil, em
Moçambique, não tem a distância percorrida pela “literatura para os adultos”.
Nesta minha curta caminhada, consigo ouvir falar de pouquíssimos nomes que
escrevem para este nicho literário (mencionados nos estudos da professora
brasileira Eliane Debus); críticos literários como o Manjate e o Dos Remédios
escreveram sobre as minhas narrativas; sou convidado para escolas para falar da
literatura infanto-juvenil e dos meus livros; pais e encarregados de educação
procuram-me para adquirirem, ou para saberem onde podem adquirir os meus
livros... há muito que fazer, mas vamos fazendo aquilo que podemos.
PPL: O mercado infanto-juvenil está em aparente crescimento no
país. Multiplicam-se os autores, os livros, as apostas. Como vê este cenário?
CCC: É de pequeno que se torce o pepino. Se a leitura é importante
para a formação do indivíduo, então é bom que ela seja incentivada desde a
tenra idade. Fico triste quando procuro referências moçambicanas do género, e
não consigo preencher uma das minhas mãos. Gostaria de ver, dentro de alguns
anos, adultos falando destes novos personagens que se estão a criar com os
olhos regados de lágrimas, recordando o tempo em que eram apenas um pepino por
torcer. Terão referências moçambicanas, locais, africanas.
PPL: Logo, não se pode falar de tradição literária infanto-juvenil
em Moçambique…
CCC: Não! Ainda não. Podemos falar de travessias de contos
tradicionais ao infanto-juvenil, não de tradição. Para mim, a literatura, no
caso em apreço, a infanto-juvenil, não serve para ensinar, não é didáctica. Ela
deve, sim, procurar mostrar o outro lado da coisa ensinada. Ou seja, como diria
o escritor Álvaro Magalhães, “desensinar”. E o carácter, quase que constante,
da nossa produção pretensamente infanto-juvenil, é o de ensinar.
PPL: Chegará o dia em que, a par dos países mais desenvolvidos, a
literatura infanto-juvenil será a mais produtiva no país?
CCC: Esta pergunta cairia bem a um guru. Não a mim. Mas... Se
houver vontade política, é possível, e quem sabe seremos o primeiro país
africano a ganhar o pequeno Nobel de literatura, o prestigiado Prémio Hans
Christian Andersen.
quarta-feira, 7 de novembro de 2018
De gatas e a trepar as paredes
Há 31
anos, Ungulani Ba Ka Khosa estreou-se em livro, num período em que a literatura
moçambicana passava, eventualmente, por um dos melhores momentos até aqui. Na
década de 80, foi lançado o primeiro concurso literário do país, foi criada a
Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), e, enfim, foi lançada a primeira
revista literária moçambicana pós-independência, a Charrua, de que o nosso
escritor é co-fundador. Este foi um momento de ouro, que, inclusive, contribuiu
para a afirmação de uma escrita comprometida com a estética, por nela existir,
quiçá, os (des)equilíbrios cruciais à literatura. É neste contexto de reinvenção de uma arte,
num país recém-nascido, que Ba Ka Khosa ousa apresentar-se em obra, depois de
muito publicar na imprensa. Nessa altura, tinha 30 anos de idade e havia vivido
em todas as regiões de Moçambique.
E
então, o livro escolhido para a primeira aparição foi Ualalapi, colectânea de
contos, para uns, romance, para muitos, e novela, para os mais centristas.
Neste livro, um dos dois que constitui Gungunhana, obra ora lançada pela
editora Kapulana, Ungulani percorre os labirintos da história, e, fugaz,
aldraba a morte, retirando nela um personagem controverso (ora herói, por ter
travado toda uma luta contra o regime colonial português, ora vilão, por tanto
ter liderado ofensivas contra os chopes, uma etnia do Sul de Moçambique):
Gungunhana/ Ngungunhane. Ao ficcionar a vida do imperador de Gaza, homem
extremamente violento, Khosa constrói um cenário maquiavélico, que ao tirano
permite atingir o poder sem ameaças de o perder, delegando, por isso, a morte
do seu irmão, Mafemane, a Ualalapi. A partir dos conflitos, da ganância e dos
jogos de interesse instituídos na narrativa, Ungulani introduz-nos no
raciocínio de um ditador que, à imagem de tantos outros de terno e gravata, não
medem consequências no longo percurso ao trono. Por isso, esta é uma história
actual e com muitos anos de vida.
O
segundo livro que compõe a obra Gungunhana é intitulado As mulheres do
imperador, na qual temos um narrador didático como cicerone no prosseguimento
dos caminhos trilhados pelas rainhas de Gaza, na desnecessária viagem que
termina com um exílio delas na sua terra, mas longe da sua gente. Se Ualalapi,
essencialmente, ergue e derroca um império nguni, essa etnia de Ngungunhane, As
mulheres do imperador é mais uma história além das peripécias que ditaram o fim
de um reinado. Esta história produz-se na viagem pelo Sul de Moçambique, por
Portugal, São Tomé e, mais profundo, pelas crenças, dores, desassossegos e
sentimentos dessas rainhas pretas, desabitadas de si mesmas por terem
conquistado a preferência de Ngungunhane. Também por isso, dá-se nesta ficção a
grave degradação da personagem. Mas comecemos pelo primeiro livro.

Em As
mulheres do imperador essa degradação continua, quer em Ngungunhane quer nas
suas esposas. No caso do “leão de Gaza”, a situação é agravada porque, arrancado
da sua terra com as sete das tantas mulheres que possui, em Portugal, não fica
nem com uma sequer, um verdadeiro ultraje e castigo para quem tanto preza o
calor feminino. Além disso, mesmo tendo-se recusado a converter-se à religião
dos brancos, já dominado, o imperador é baptizado, passando a ter um nome português.
Morre triste e humilhado. Não obstante, separadas do homem, as rainhas de Gaza,
igualmente, experimentam a derradeira condição do marido. Logo, com a excepção
de Namatuco, tornam-se vulneráveis, passando a comer peixe e a desejarem ser
amarfanhadas pelos braços dos homens. E o facto de Namatuco ser a mais sisuda,
não a impede de se tornar uma personagem amarga, pois, desterrada de
Moçambique, perde o contacto com os seus espíritos, daí a incapacidade de
enxergar o futuro. Portanto,
este Gungunhana encerra nas suas linhas uma preocupação estética alicerçada a
uma história que se vai diluindo. Esta é uma porta de entrada para quem se
preocupa com o passado e com o presente de Moçambique. E faz sentido o livro
ser publicado no Brasil, afinal em causa está o conhecimento sobre a
humanidade, que não se esgota na fronteira dos nossos pés, que nos faz
proprietários da nossa própria voz. A degradação da personagem manifesta em
Gungunhana também é nossa, por aceitarmos ser parte de uma história cujos
protagonistas são os narradores do esquecimento, esses que nos afastam da nossa
terra e das nossas particularidades.(Por José dos Remédios)
Assinar:
Postagens (Atom)