Ao terminar a leitura deste livro, justamente
intitulado “O comboio que andava de chinelos”, virei um adulto com olhos de
criança, porque, tal como disse, em certa ocasião, o educador Rubem Alves,
ainda que a gente cresça, quando lemos os olhos preservam para sempre a
propriedade divina do rejuvenescimento. Lendo este livro, na feliz travessia de
meio século de vida, senti-me feliz, fiquei com vontade de rezar como a Adélia
Prado: “Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande…”! Pedro
Pereira Lopes nasceu há, sensivelmente, trinta e dois anos, mas para além de
ser naturalmente adulto, é e sabe ser uma criança. As crianças têm um olhar
encantado. O Pedro Pereira Lopes tem um olhar encantado, por isso tem a
estranha mania de fazer comboios andarem de chinelos, viajar pelo mundo num
grão de pólen; ele consegue ter a magia de fazer elefantes subirem nas árvores
e ainda por cima deslumbra-se, maravilhado, com o nascimento de um dentinho,
que “nasceu de repente”, “para fechar a baliza” no sorriso nascente de uma
criança. Apesar de ter crescido, apesar de ser e assumir-se adulto, permanece
criança pelo simples facto de escrever poesia, por isso é que ele, citando
Fernanda Paixão, afiança-nos, que: Poeta escreve poesia/ para ser criança todo
o dia.
Por isso Pedro Pereira Lopes consegue avaliar quanta
ternura ecoa nas sílabas, quando a mãe ameaça chamar um monstro, quando o seu
filho, a sua filha chora! Mas na sabedoria que se disfruta na infância qual a
criança que não sabe intimamente que o monstro é uma terna ameaça que jamais se
consumara? Ele tem olhos de criança porque se encantam com tudo: o arco-íris,
que “no início eram gotas de água /como missangas em fios de luz”, as palavras,
de quem se interroga fascinado pela íntima sonoridade das palavras e exclama “A
pá lavra? Ah palavras!”. Ele tem olhos encantados porque não sabe qual dos
animais de estimação, a mãe irá aceitar, se o macaco, se o cão ou se o
camaleão; encanta-se com as formas das sementes, as plantas, as flores, os
bichos, os riachinhos. Tal como acontece com as outras crianças, tudo para ele
é motivo de assombro.

Com este livro, Pedro Pereira reinventa um professor
que existe nele, que pretende ensinar-nos para que a gente se encante com o
mundo. E reencante o mundo também! Porque seus olhos se apropriaram daquele
predicado que, para os gregos, constituía o gérmen do pensamento: a capacidade
de se assombrar diante do usual, corriqueiro, banal. Assim no mundo do “Comboio
Que Andava de Chinelos” tudo é espantoso: o arco-íris, o sonho, o gato Romeu e
o Vô Abreu, sem esquecer o Dicionário de Palavras Geniais. Nas carruagens do
Comboio Que Andava de Chinelos sentimo-nos propensos a reflectir sobre a
grandeza existente nas coisas singelas e a forma como elas guiam os nossos
corações e as nossas mentes pelos trilhos do essencialmente fundamental na
existência humana: o entendimento de que a felicidade é um derivado de ações e
sensações presentes nas coisas mais simples, mais corriqueiras.
São poemas fáceis de memorizar, onde a poesia e a
música se tornam grandes aliadas da educação, pois, através dos versos e
melodias de fácil assimilação para as crianças e os jovens, pode-se ensinar
novas palavras, histórias e a cultura de onde se vive. Os adultos também, pois
afinal ainda o som
os, às claras umas vezes, às escondidas outras tantas. E
afinal o Pedro Pereira Lopes, com o compasso do coração, escreveu este livro
animado de um grande movimento, como uma dança, porque o compasso do coração
garante o ritmo da vida… tendo como aliado o Walter Zand, cujas ilustrações
tecem uma coreografia, onde meninos e cores, piratas, gatos, se convertem em
desenho animados sob o impulso e suas mãos criadoras. Com estes poemas, ao
recriares a vida em cada instante consciente, ao resgatá-la nos recantos em que
ficou adormecida nas recordações avivadas do Reino da Infância. Venham outros
livros infanto-juvenis que no final legitimem que eu reze a Deus com Adélia
Prado: “Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande…”!
Abração fraterno