As mulheres são como as
ilhas: sempre longe, mas ofuscando todo o mar em redor
Mia Couto
É bem provável que aquele excerto de Mia Couto, extraído de Jerusalém, faça
todo sentido, pois, além dos contornos que se confundem com as reentrâncias e
saliências das ilhas, as mulheres, de facto, têm esse dispositivo natural de
ofuscar tudo através da sua estrutura cativante. Coisa dos céus, dos deuses ou
dos santos traquinas, que, diante da arrogância masculina, urdiram um conluio
para a controlar ou desvia-la de alguns intentos. E nesta maldição – ou bênção
– caímos todos, inclusive os poetas. Aliás, sobretudo eles, afinal, os garimpeiros
da palavra, em muitos casos, fazem da imagem feminina uma razão de existência,
um modo de ser e um instrumento que lhes permite lapidar os encantos do sonho
imortalizados na alma de quem lê.
E um dos desses poetas incapaz de desviar o foco às mulheres é Adelino
Timóteo, por isso, no seu livro mais recente, Corpo de Cleópatra, o autor segue
os seus instintos naturais e canta loas à rainha egípcia com todas as notas dos
acordes. Tendo Cleópatra como pretexto para a viagem pelo seu mundo interior, o
poeta, neste livro com 59 páginas, põe-se numa aventura pelo seu continente,
como se o propósito da odisseia fosse, mais que tudo, resgatar os passados mal
contados. Então, focando-se numa das civilizações mais afamadas do mundo
(Egipto Antigo), Timóteo retira de lá uma das imagens mais sedutoras, e, como
se alguma vez a tivesse visto – daí o desejo lascivo –, sujeita-se a endeusar,
de forma imaculada, Cleópatra e seus predicados. E o propósito, se tiver que
existir algum, passa por libertar o que África tem de melhor: a beleza em
potência.
Tecendo versos sobre uma notável rainha egípcia, este livro de Adelino
Timóteo não deixa de nos convidar a uma reflexão em torno das semelhanças
existes entre aquela imagem feminina, soberana por excelência, e África, um
continente que à semelhança do que sucede com Cleópatra desperta sensações
imensuráveis nos homens de cá e de outras proveniências. Cada um com interesses
diferentes; cada um com fantasias particulares de aprofundar os seus desejos.
Esta colectânea de poemas de Timóteo engrandece a terra africana através de uma
entidade local, quase na mesma lógica de pensamento que a de José de Alencar,
no livro Iracema.
Enquanto o escritor brasileiro reconstrói a exploração da América, pelos
portugueses, atraídos pelos fascínios da personagem Iracema, que, na verdade,
funciona como representação do continente americano, com O Corpo de Cleópatra
Adelino Timóteo canta esses fascínios apaixonado, como se a revelar as
perfeições exclusivas que ainda atraem o mundo inteiro ao berço da humanidade.
Este é um canto à mulher africana, que não precisa de um par de extensões ou de
cremes para ser bela. Pegando na Cleópatra, é a autenticidade que o poeta
recupera, no mesmo instante que canta África como o ponto zero da evolução.
Portanto, se as mulheres são como as ilhas, e nós sabemos o que as ilhas
representaram para os que levaram semanas ou meses a fio a navegar, é lúcido
que O Corpo de Cleópatra ou de África ofusque todo o mar à volta, e traga para
estas latitudes tantos Júlio César e Marco António. A cor do sexo justifica.
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