O Deal – Espaço Criativo é, desde terça-feira, um centro de
discussão sobre o fenómeno literatura no país. Ontem, desde o final de tarde
até à noite, escritores, ensaístas e leitores juntaram-se para discutir sobre
“O fim da crítica literária em Moçambique”. Para o efeito, estiveram, como convidados,
no painel, dois oradores: Gilberto Matusse e Rogério Manjate, que, em diversas
ocasiões, concordaram em relação aos factores decisivos na escassez da crítica.
De acordo com os dois autores, não se deve falar do fim da crítica literária,
mas da ausência, o que resulta da inexistência de um espaço especificamente
criado com intuito de divulgar literatura. Assim, a divulgação de ensaios sobre
obras de autores nacionais é algo esporádico, sem continuidade.
Partilhando a experiência dos tempos em que coordenou a
Gazeta de Artes e Letras da revista Tempo, Gilberto Matusse afirmou que, em
grande medida, naquele órgão a crítica e a divulgação da literatura em geral
vincou porque os leitores sabiam da existência de um espaço reservado à
escrita, inclusive, na vertente reflexão. Hoje, na percepção do Professor de
Literatura da Universidade Eduardo Mondlane, isso escasseia, pois nunca se sabe
quando os jornais vão publicar ensaios ou estudos sobre livros.
Nesta escassez de textos críticos, Rogério Manjante protestou
contra os casos em que os académicos, ao publicarem nos jornais, apostam em
reflexões muitas extensas, exaustivas e com uma linguagem universitária. Na
óptica do poeta, escritor e actor, é preciso que os jornais alertem os críticos
para adaptar a sua linguagem a do cidadão, ao invés de se deixarem levar pela
pretensão de dialogarem entre si. Deste modo, entende Manjate, pode-se evitar a
publicação de recepções em dois, três, quatro números de um diário. Sobre esta
recomendação, o jornalista Francisco Manjate posicionou-se contra o artista,
pois, segundo percebe, o que mais conta na publicação de um texto crítico num
impresso não deve ser o número de caracteres, e sim a qualidade do conteúdo. E
esse sempre foi o seu critério na divulgação da arte literária nacional,
carente de espaços para a publicação de recepções por implicações financeiras a
advirem da insustentabilidade, por exemplo, de suplementos culturais, quer
porque os autores dos textos precisam de remuneração como incentivo quer porque
os jornais ou as revistas não contam com nenhum apoio para tornar o pensamento
sobre literatura algo sustentável ao partilhar-lhe.
Para Gilberto Matusse, aí reside parte do problema que afecta
a crítica. Se antes os leitores publicavam o resultado das suas leituras
preocupados com o prestígio que daí advinha, actualmente, as coisas mudaram.
Nesta perspectiva, sugere o professor de Literatura, um dos passos a dar no
sentido de reverter a escassez de ensaios ou reflexões é apostar na
consolidação do espaço escolar. “Muitas vezes temos acompanhando a inauguração
ou oferta de tantas salas de aulas, mas esquecemos que só isso não basta. Temos
que nos preocupar com a escola e com tudo o que a instituição representa. Não
devemos deixar tudo o resto de lado”.
À semelhança de Gilberto Matusse, Rogério Manjate acredita
que a escassez da crítica literária nos jornais não é proporcional à da
académica. Aliás, ambos defendem que no contexto universitário há muita
produção. No entanto, repara Manjate: “A crítica académica não chega às pessoas
porque as próprias universidades não têm mecanismos que garantam que isso
aconteça. Portanto, falta uma crítica madura e constante porque, hoje em dia, é
muito mais fácil criar uma página e divulgar a literatura”.
No primeiro dia do Colóquio de Literatura Resiliência, Melita
Matsinhe, Sónia Sultuane e Sara Jona debateram sobre “A arte no feminino”. Aí,
as autoras protestaram contra todas e quaisquer tendências de se confinar o
poder criativo das mulheres a alguma coisa chamada “feminino”. Matsinhe,
Sultuane e Jona consideram que em literatura apenas há autores e a preocupação
apenas deve ser qualidade textual. E essa qualidade existe nos homens na mesma
simetria que nas mulheres.
O Colóquio de Literatura Resiliência é promovido pelo
Deal – Espaço Criativo, com a pretensão de aproximar autores, leitores e,
assim, pensar-se nas melhores saídas para o acesso ao livro no país ser uma
realidade. O evento termina hoje – dia previsto para o lançamento do livro Eles
eram muitos cavalos, do escritor brasileiro Luiz Ruffato. O livro terá
apresentação de Mia Couto –, com um recital de poesia e música a partir
dos versos da colecção “Os filhos do vento”, da editora Cavalo do Mar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário