O efeito moralizante da música é uma realidade que
muito interessa Assa Matusse, cantora que deu seus primeiros passos nos
concursos da Stv. Falando sobre o seu CD de estreia, + Eu, a artista assume,
nesta entrevista, que canta para exaltar a necessidade de se ser optimista e
para se tornar parte da solução dos problemas que afectam as pessoas.
+ Eu é o título de uma música sua,
que intitula o seu CD de estreia. Que sentimentos seus esta música e este álbum
traduzem?
Traduzem sentimentos ligados à necessidade de
sermos optimistas, com capacidade de investirmos na superação dos nossos
próprios problemas. Pensei na música que dá título ao CD quando tinha por aí 16
anos. Na altura, estava numa casa de pastos, onde também se encontrava uma moça
que hoje também canta. Não vou dizer o nome, mas lembro-me que o tio dela
magoou-me muito quando me disse que a sobrinha dele cantava melhor do que eu. O
que mais me afectou foi a forma como ele me disse. De tão chocada que fiquei,
no dia seguinte, fiz esta música. E, hoje, este álbum é uma das minhas grandes
conquistas.
É daquele tipo artista que
faz das circunstâncias negativas uma razão para alcançar novas metas?
Com certeza. Por exemplo, neste CD, tenho músicas
que escrevi quando estava na Noruega, num contexto que me sentia triste e com
saudade de casa. Por exemplo, por causa das dificuldades que nos acontecem
quando estamos no estrangeiro, escrevi “Phenomenal Woman”, afinal, apesar de
tudo, eu estava lá e, a minha maneira, consegui representar bem o nome do meu
país.
E acha que é uma mulher
fenomenal?
Pode parecer um cliché, mas acredito que sim, e
todas as mulheres também são. “Phenomenal Woman” não é apenas Assa Matusse, mas
são as mulheres batalhadoras.
Assume que existe uma
relação estreita entre si e as estórias cantadas no CD?
Sim, porque sempre tive esta mania de falar de mim
nas minhas músicas, das coisas que eu vivo ou presenciei. É algo automático,
tanto que, quem me conhece, quando ouve as músicas, consegue saber de que
situações me refiro.
Uma das músicas que mais
lhe marca no CD é a segunda. O que significa para si ser “Menina do bairro”?
Não é fácil, porque algumas oportunidades lá não
chegam. Costumo dizer que no bairro ou tu morres ou tu vives. E, a ideia de
morrer, aqui, é no sentido de, estando-se vivo, não se goza a vida com a qual
se sonha. Já que as coisas no bairro não são fáceis, há muitas coisas que nos
aliciam rumo à procura de um mundo das maravilhas.
Escreveu a música a pensar
num bairro em particular?
Sim, escrevi a pensar no bairro de Mavalane “A”. A
música é especial por isso, porque, além de falar de mim, fala do meu bairro
também. Eu acredito que as pessoas de Mavalane, quando ouvem esta música,
identificam-se, porque o que eu vivi tantos outros viveram.
Preocupa-lhe a ideia de
pensar, não apenas nos problemas de um bairro isolado, mas de um país inteiro,
por via da música?
Com certeza. Nós temos de passar a informação.
Mesmo que se diga que é um cliché, devemos informar e eliminar as barreiras que
a sociedade, no caso das mulheres, impõe. Aliás, eu própria sou alvo de
preconceitos desta sociedade que escolhe o que devemos ou não fazer. Mas eu não
cedo a esses atritos que, quase sempre, são provocados pelas mulheres, que
comandam o mundo.
Uma das músicas que bem
mexe com a emoção neste CD, também pelo carácter pausado e de revolta é
“Nitxitxile”. A que se deve essa mudança?
Na verdade, esta música primeiro foi escrita pelo
meu pai (Raimundo Matusse, que trabalhou nas minas da África do Sul).
Infelizmente, ele não a levou além porque, como digo, não resistiu à pobreza.
No tempo dele, era muito mais difícil viver de música do que hoje. Na versão do
meu pai, a letra retrata apenas coisas boas. Por exemplo, ele não retrata
sequer o facto de os sul-africanos maltratarem os moçambicanos e gente de
outras nacionalidades africanas. Quando refiz a música, achei importante
retratar o lado negativo também, trazendo os factos como são, actualizados,
escrevendo em changana e em zulu porque, assim, se eles escutarem, vão poder
perceber o alcance da mensagem.
O CD tem um teor
moralizante. Por exemplo, a música “Sorria”, que nos diz: “a luta é
indispensável”. Vê a vida como obstáculo a ultrapassar?
Esta é uma das músicas que me toca muito ao
cantar, mas a letra poderia ter sido bem melhorada. Como foi a primeira música
a escrever, apesar do palavreado que não foi bem conseguido, muito ingénuo,
tendo conseguido passar a mensagem, resolvi inclui-la no CD. Por exemplo, já
não me vejo a dizer “meu irmão” numa música. Mas não me envergonho, apesar de
tudo.
Na mesma música, defende a
necessidade do sorriso e temos uma voz que nos diz: “o país precisa de gente
activa”. Só um sorriso basta?
Muitas vezes, um sorriso basta. Se estamos
tristes, transmitimos energias negativas às pessoas. Um sorriso pode mudar a
vida de uma pessoa que, num momento, se encontra bem triste.
Há três pessoas a quem
agradece neste CD. Seu pai, Júlio Silva e Zé Pires. Sem eles o trajecto musical
teria ficado mais difícil?
Graças ao meu pai, que cantava para mim, quando
pequena, fui-me interessando pela música. Mas, paradoxalmente, se dependesse
dele, hoje eu não estaria na música. Apesar do meu pai gostar da arte, no
princípio, foi contra a minha escolha. Eu entendo. Todo pai quer o melhor para
o filho e, como não deu certo com ele, julgou que o mesmo poderia acontecer
comigo. Júlio Silva puxou muito por mim, quando estava no Tribo Júnior. Ele foi
a primeira pessoa que entende de música que me elogiou. E isso marca-nos muito.
Zé Pires foi quem financiou o CD e estou muito grata a ele por ter confiado em
mim.
Quando entrou para o Tribo
Júnior da Stv, era nova. Visualizou este horizonte na altura?
De certeza que não. Na altura era mesmo a emoção
de estar na tv, cantar e divertir-me quando as pessoas me reconheciam na rua.
Quando saí do Tribo Júnior, eu disse para mim mesma que o concurso ainda não
havia me dado algo de concreto. Claro que me permitiu, com o prémio, conseguir
uns sofás para casa e coisas assim. Eu queria continuar a cantar. Como fazer
isso? Entrei para outro concurso da Stv, Super Tardes e, também graças a isso,
consegui este CD.
Quis que este CD
purificasse quem escuta por via de lágrimas?
Isto é curioso, porque eu nem sou melancólica,
mas, quando se trata de música, as sonoridades desta natureza atraem-me mais.
Nada projectado. Não pensei no estilo que canto nem nada disso. Ainda estou em
descobertas de mim mesma, a descobrir estilos com os quais me identifico.
Inspirei-me numa das músicas de meu pai, na qual
temos um sujeito que diz que é órfão. No processo de gravação, apareci com essa
melodia e foi muito aplaudida. Já gostei muito desta música, mas acho que há
alguns aspectos técnicos que poderiam ter sido melhorados. Neste momento, acho
que uma das que mais mexe comigo é a “Crazy”.
“Carinho de mãe” é
uma música que elogia as mães do mundo. É resultado de uma saudade ou é de
reconhecimento que se trata?
É mais reconhecimento de tudo que as mães fazem
por nós. Quem tem a sua mãe vida (ou não) sabe do que estou a falar.
Prefiro ouvir-lhe a cantar
em línguas bantu do que em português ou inglês. Tem alguma preferência nesse
sentido?
Também prefiro ouvir-me a cantar em changana.
Descobri isso com o tempo. Antes, queria apenas ser diferente. Mas, mais tarde,
percebi que saia melhor quando cantasse em changana.
É uma questão identitária
ou sonora mesmo?
Acho que é sonora. Gosto de ouvir o changana na
música. Quanto ao português, apenas canto, mas não me identifico, não é
espontâneo e nem é profundo.
Entra para a lista dos que,
comoDireStraits, por exemplo, cantaram “Romeu e Julieta”. Há uma explicação?
Esta música não foi composta por mim. Desde o
início, nunca tive vocação para cantar o amor. Sempre me foi difícil. A minha
família é reservada e, pela educação que tive, nunca me imaginei sentada a
escrever sobre o amor. Por exemplo, acho que até hoje não me sentiria à vontade
em cantar esta música em frente ao meu pai. A música foi escrita por Deltino
Guerreiro.
O que mais lhe move, no que
à música diz respeito?
Estar em palco é uma coisa que mexe com o corpo e
alma toda. É simplesmente fantástico projectar um concerto. Estar em palco é o
principal porque lá sinto-me a fazer o que gosto. A interacção com o público é
especial.
Por que canta, Assa
Matusse?
Canto simplesmente porque a música me escolheu.
Sugestões artísticas para
os leitores do jornal O País?
Sugiro Agarra-me o sol por trás, de
Tânia Tomé.
Perfil
Assa Matusse
nasceu em 1994, na cidade de Maputo. Ainda nova, participou no concurso Tribo
Júnior (1°lugar) e Super Tardes (3º lugar), da STV. Participou, igualmente, no
UMOJA. Foi Prémio revelação feminina no Ngoma Moçambique 2013 e participou no
concurso internacional “The Voice of Pangea”, realizado em Madrid, Espanha, ano
passado. +
Eu é seu CD de estreia.
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