Locarno é mais do que uma cidade
para Licínio Azevedo, é, na verdade, um espaço de concretização de sonhos. E só
podia ser, pois é naquele ponto do mundo que decorre anualmente um dos cinco
maiores festivais de cinema. Há dois anos, naquela cidade turística da Suiça, o
realizador moçambicano viu a oportunidade de transformar o romance “Comboio de
Sal e Açúcar” em filme.
O projecto ganhou dois dos três
prémios disponíveis para apoiar a realização dos projectos cinematográficos de
vários países num fórum de financiamento denominado “Open Doors”. Foi
exactamente na 67ª edição do certame que o filme foi subsiado perante um júri
europeu, que envolvia televisões e agências governamentais. Entre 900 projectos,
“Comboio de Sal e Açúcar” foi um dos dois guiões premiados, o que garantiu o
início da sua produção.
Por isso, Locarno era o sítio
ideal para estrear internacionalmente a longa-metragem. E assim foi… com 4500
espectadores, em Piazza Grande – no coração do festival – “Comboio de Sal e
Açúcar” foi bem recebido e, como se não bastasse, mereceu o Prémio de Melhor
Produção, em Agosto passado. Este prémio foi atribuído pelos críticos de cinema
italianos. Os profissionais da sétima arte justificam que é por demostrar “um
novo caminho do cinema africano e porque é prova de como um cinema africano
pode chegar ao grande público”, conta Licínio Azevedo, numa entrevista ao
Jornal O País, na tarde deste sábado. O realizador acrescenta que o filme
emocionou o público e foi aplaudido por ser diferente, pois embora retrate uma
história de guerra dos anos 80, aborda também o drama do amor, o que o torna
contemporâneo.
Depois de Locarno – onde teve a
estreia internacional – o filme vai seguir por outros festivais. Em Outubro,
vai participar no Festival do Rio – maior montra do cinema ibero-americano, que
exibe filmes de Portugal, Espanha e América Latina –, depois está convidado
para Índia, no Festival de Goa, já com 60 anos de história e para vários
festivais que para Licínio Azevedo não é novidade, pois em alguns deles já
amealhou vários prémios. “Virgem Margarida” é um dos filmes que foi bastante
agraciado.
Portanto, só depois dessa fase
dos festivais (fase que o realizador não sabe quanto tempo vai durar) o filme
será mostrado noutras plataformas. “O que eu pedi aos produtores é que fosse
feito um trabalho no sentido de levar os filmes ao público, não a festivais que
tem público restrito, mas às salas de cinema”, partilha. Só que o realizador
lamenta o facto de Moçambique não ter muitas salas de cinema, o que vai
dificultar o maior alcance pelo menos no país.
Na segunda fase da mostra, será
exibido para vários países onde estão os co-produtores – Suiça, França,
Portugal, Brasil, África do Sul e Moçambique – e outros países com
distribuidores já garantidos.
A terceira fase também já está
assegurada. A divulgação do filme, neste período, será em África, onde 17
países serão contemplados. “Eu acho que o filme vai cumprir com os meus ideais,
que é chegar ao grande público e sair desse esquema restrito que são os
festivais”, finaliza.
A longa-metragem de 90 minutos
que tem como principal elenco os moçambicanos António Nipita, Sabina Fonseca e
Melanie Rafael, o angolano Matamba Joaquim e o brasileiro Tiago Justino conta a
história de centenas de moçambicanos que viajavam de Nampula a Malawi para
trocar sal por açúcar. É um retrato dramático dos episódios da guerra civil que
inclui também uma história de amor.
“Comboio de Sal e Açúcar” é
baseado no livro homónimo que Licínio Azevedo escreveu há mais 15 anos.
Salas de cinema: rentabilidade
para a sétima arte
“A rentabilidade do cinema
depende da capacidade dos produtores conseguirem ter distribuidores”, assegura
Azevedo, acrescentando que que o cinema americano chega ao “grande público”
porque para cada um dólar investido para na produção de um filme, as vezes são
100 milhões, há um outro dólar investido na distribuição quando se faz a
publicidade e se chega às salas. “Nós infelizmente não temos isso. Já para
conseguir um milhão de dólares para fazer um filme de guerra é muito imagina o
dinheiro para distribuição”, lamenta. O realizador diz que esta triste
realidade abala o mercado africano, da América latina e grande parte da Europa.
Ou seja, um filme só é rentável quando há muitas salas de cinema e se o público
conseguir ver os filmes. O contrário disso, não haverá recursos para a
materialização de outros filmes, excepto guiões de realizadores já conhecidos.
E repete-se o ciclo, realizadores desses países voltam a concorrer para serem
premiados, tal como foi agora com “Comboio de Sal e Açúcar”.
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