José Forjaz
é dos rostos mais consagrados do ramo da arquitectura no país. Recentemente,
com a sua equipa José Forjaz Arquitectos, expos Projectos no papel no
Centro Cultural Português, em Maputo – segue depois para Beira, este mês –,
pretexto para esta entrevista. Partindo de 40 obras que estiveram expostas,
algumas com 50 anos, nunca construídas, Forjaz refere-se ao trabalho
arquitectónico como uma forma de fantasiar a qualidade poética dos espaços,
como um meio para ler as sociedades e de nelas introduzir mudanças. E o
arquitecto vai longe ao referir-se que, em Moçambique, a maior parte da
arquitectura construída ainda é espontânea, feita por saberes tradicionais, sem
deixar de sublinhar a incapacidade administrativa que o Conselho Municipal de
Maputo tem para tomar conta de uma cidade que cresce tão depressa do ponto de
vista populacional. Nisso, José Forjaz expressa um desagrado atinente à Praça
da Independência: “um desastre urbano, tanto esteticamente como em termos de
circulação automóvel”.
É co-autor da exposição Projectos no
papel, exposto no Camões este mês. Por quê mostrar agora, pela primeira vez
publicamente, 40 projectos não construídos por si e pela equipa José Forjaz
Arquitectos?
Na nossa
vida profissional, cerca de 50% dos trabalhos que fazemos nunca é construído.
Por variadíssimas razões. Então houve uma necessidade, que nos parece
importante, de fazer ver um trabalho elaborado com igual dedicação e emoção,
feitopor mim e pelo nosso grupo nestes anos todos. Alguns destes projectos são
muito particulares, com valores diferentes de alguns já construídos.
Pareceu-nos interessante fazê-lo mesmo porque vários de nós somos professores
de faculdade e temos uma responsabilidade didáctica que gostamos de cumprir.
Projectos no papel tem obras com 50 anos. O que procuraram exprimir
nesta exposição?
Mostramos
que há um lote de projectos que não se submeteu em todo o seu desenvolvimento
às mesmas condições dos projectos que foram construídos, quer porque não
chegaram a uma fase de concretização, quer porque eram problemas de natureza diversa.
A mostra está agrupada em quatro temas: “Planos”,
“Praças e monumentos”, “Equipamento público” e “Arquitectura residencial e
concursos”. Foi por uma questão metódica esta preferência?
Sim.
Pareceu-nos interessante que houvesse situações em que se percebesse que,
dentro do mesmo tema, havia grandes variações na índole dos projectos, e que
dava uma leitura mais coerente e lógica à exposição do que se fosse
simplesmente por ordem cronológica. Penso que foi bem arrumada dessa maneira.
Partindo desta viagem pelo passado, sem esquecer
o presente, como classifica a arquitectura actual do mundo?
Não acho
que se possa fazer uma classificação da arquitectura. Tem-se arrumado a
arquitectura em movimentos, idades, estilos, culturas e civilizações… Penso que
a arquitectura actual do mundo, directa e imediatamente, é menos caracterizada
pelo seu lugar. É muito difícil distinguir o que se faz em Sidney, na
Austrália, do que se faz em Montevideo, ou do que se faz no Japão do que se faz
em Cape Town. Portanto, é uma arquitectura mais internacional e que corresponde
a uma realidade inegável que é a de que a sociedade humana vive cada vez mais
da mesma maneira em todos lugares do mundo. Os hábitos sociais das pessoas são
cada vez mais idênticas. Portanto, a identificação da arquitectura não se faz
mais por uma cultura particular, sobretudo urbana, porque as rurais são outra
coisa. Quando existem, não são muito ligadas aos arquitectos, mas à capacidade
de construir das pessoas locais. Em Moçambique, a maior parte da arquitectura
construída ainda é espontânea, feita por saberes tradicionais, das aldeias e etc. À partida, classifico a
arquitectura actual, no mundo, como internacional, cada vez mais indistinta na
forma como aparece.
Seria possível traçarmos a identidade de um povo
e de uma cultura a partir da arquitectura que se está a fazer?
Cada vez
menos, e nem ponho sinal negativo ou positivo nisso. A arquitectura, hoje em
dia, deve ser caracterizada pela maneira como responde a problemas ambientais,
sobretudo. Deve ser diferente uma arquitectura que se faz num país subtropical,
como o nosso, do que se faz numa zona fria, como a Sibéria ou Alasca, por
razões científicas, técnicas e, sobretudo, ambientais, até mesmo por razões
sociais, porque o habitante da Sibéria e de Joanesburgo vivem muito da mesma
maneira. A diferença é que um se protege do frio e outro do calor.
Na concepção da arquitectura da vossa equipa
pesam mais as componentes estéticas e utilitárias, certo?
Evidentemente.
O utilitário é o termo mais interessante a explorar em muitos aspectos. Mas a
arquitectura é diferente da construção, uma função meramente técnica. A
projecção arquitectónica, depois de garantir todas respostas aos aspectos
técnicos, deve ser atenta aos aspectos estéticos, naturalmente.
Acha que as obras do Projecto no papel podem
vir a ser construídas?
Algumas,
sim, gostaríamos muito. Outras, não tenho qualquer esperança que venham a ser…
Onde pretenderam chegar com esta exposição?
A aquilo
que é o objectivo de qualquer exposição, que é dar a conhecer o que se faz,
provocar debate, curiosidade e manter viva a cultura arquitectónica de um país,
neste caso, o nosso.
Esta iniciativa insere-se na linha de programação Pensar
a cidade, desenvolvida pelo Camões. Por quê tiveram esta pretensão de
refectir sobre o espaço urbano?
Esta
questão de pensar a cidade é um problema permanente, do qual não podemos fugir,
seja qual for a dimensão do projecto. Nós somos arquitectos e urbanistas e
assumimos essa responsabilidade. Estes projectos são implantados em tecidos
urbanos, com outros edifícios à volta, com ruas e praças que limitam,
justificam e orientam a sua concepção. É provável, e já tivemos ocasião de
discutir com pessoas que visitaram a exposição, encontrar aspectos que tenham
haver com a inserção da arquitectura na cidade.
Esta exposição inclui texto de João Paulo Borges
Coelho, um autor que também pensa a cidade por via da escrita. Veja-se o caso
da novela Hinyambaan, em parte, uma sátira à nossa capital. Foi uma forma de envolver a literatura?
Temos a
noção de que a arquitectura não é um domínio fechado do conhecimento e da
especulação intelectual. Deve ser cada vez mais aberta, e é propositado não
escolher arquitectos ou críticos de arquitectura para nos avaliar na sua
apresentação. Por isso escolhemos dois escritores, João Paulo Borges Coelho e
António Cabrita. Com ambos temos uma longa convivência a discutir problemas da
cultura geral e da arquitectura em particular. António Cabrita, aliás, publicou
um livro em que me faz uma entrevista longa. É uma pessoa muito sensível aos
problemas da arquitectura e dos espaços. E João Paulo Borges Coelho é uma
pessoa muito sensível, também, à qualidade do espaço da cidade. Como sensível
que é, artista da palavra e um grande desenhador, é uma pessoa muito apta a
poder reflectir sobre o que lhe pedimos que fizesse, sobre este conjunto de
obras e o seu significado.
E o que esta exposição pode permitir ao cidadão,
considerando a ideia de que a cidade cresce numa desordem, de acordo com João
Paulo Borges Coelho?
Estamos a
tratar de dois temas nesta exposição. Uma é da cidade que cresce numa desordem,
que considero até natural. Nós não temos capacidade administrativa para tomar conta de uma cidade que cresce tão
depressa como esta, em termos de população. É impossível. O Conselho Municipal
e Maputo não tem meios financeiros, materiais e nem humanos para controlar o
que se passa em todos metros quadrados do sector urbano. Então, há muita coisa
que acontece e que escapa ao seu controlo e à monotorização desse
desenvolvimento. Por outro lado, há desenvolvimentos que podem ser discutidos
do ponto de vista da sua adequação. Esta desordem urbana acontece em todas as
nossas cidades, moçambicanas e africanas, em que o fenómeno urbano é recente em
relação a outras cidades muito sedimentadas como são as europeias e asiáticas.
Portanto, é muito difícil controlarmos todo este desenvolvimento. O João Paulo
é uma pessoa atenta a estes fenómenos – como é outra gente. Não se tem que ser
escritor para se ter sensibilidade a estas questões – e pronuncia-se como lhe
compete sobre estes problemas. E a exposição levanta o tema para, de alguma
maneira, poder-se discutir, porque a discussão deve ser continuada.
O que mais vos move, quando, num projecto como
este, no papel, têm de erguer monumentos?
Trabalhamos
porque alguém nos pede trabalho, por variadíssimas razões, até para ganhar
dinheiro. Há casos em que nos move a oportunidade de projectar qualquer coisa
nova a propor. Não é corrente, mas já fizemos umas duas vezes. Neste momento,
se tenho tempo, dedico-me mais a escrever do que a especular sobre a
arquitectura, até porque vamos tendo trabalho que nos ocupa suficientemente.
Ocorre à equipa José Forjaz Arquitectos enviar
mensagens, quando exerce a actividade arquitectónica ou quando expõe?
Nós
expomo-nos, quando expomos, à crítica, à apreciação e até à admiração. Não
basta mostrarmos o que valemos, temos de nos expor àquilo que nos ajuda a
melhorar. Estes são os pontos fundamentais de qualquer exposição. Se dali sai
uma crítica mais acutilante, achamos interessante.
Do mesmo modo que acontece com a narrativa, há
espaço para a vossa equipa deixar-se levar pela fantasia durante o trabalho?
Põe a coisa
de uma maneira interessante. Fantasia é uma palavra muito ambígua. A
arquitectura deve ser sempre o que está para lá da tecnologia e dos aspectos
práticos. E nós, se é por aí que entende a fantasia, ao concebermos um
edifício, fantasiamos a qualidade poética dos espaços.
No vosso repertório arquitectónico não falta
atenção à água. Há alguma influência do Índico nisso?
É capaz de
haver. A água, dito de uma maneira genérica ou de qualquer outra maneira, é um
elemento fundamental na vida e cada vez mais crítico. Nós temos uma grande
atenção tecnológica àquilo que o edifício pode ter em termos de capacidade de
poupar e recuperar a água usada. Isso é uma atenção permanente e temos um alto
sentido acerca desse aspecto, porque, muitas vezes, a maior parte dos nossos
clientes ainda não estão conscientes dessa questão tão crucial.
E além da água, a vegetação também merece muito
destaque, uma forma de dizer que devemos respeitar a natureza…
É, e muito
importantemente. A presença do verde é cada vez mais crucial na concepção da
arquitectura. O verde nas coberturas começa a ser corrente em quase todos os
quadrantes culturais do mundo. A presença do verde não só é importante pela
qualidade do espaço, como também pela regeneração do ambiente. Relacionando com
a água, o elemento verde atrasa o escorrimento superficial da água, o que é
fundamental, e que nós, em Moçambique, conhecemos bem a consequência funesta do
escorrimento não atrasado. Aliás, este é um dos problemas que as nossas cidades
têm: a erosão provocada pelas chuvas fortes que temos e que correspondem cada
vez mais um desnudamento do terreno em termos de verde. De facto, para nós, o
verde, tal como a água, é uma das preocupações iniciais de cada obra.
Já agora, como é que as condições climatéricas
interferem na concepção de uma obra, no vosso caso?
As
condições climatéricas são fundamentais. Nós partimos daí para conceber
qualquer obra. A primeira das considerações é orientação do edifício, a maneira
como as fachadas recebem o calor, a luz solar, o vento, a chuva. Trabalhamos
conscientemente, sabendo que nos encontramos a uma determinada latitude e
sabendo que o movimento do sol tem uma determinada inclinação em cada dia para
sítio diferente. Os nossos edifícios devem responder a isso para poupar energia
e para se tornarem mais cómodos e confortáveis. Aqueles são os elementos de
partida de qualquer projecto. Os outros são, naturalmente, o terreno, o
programa funcional do edifício, o valor que se quer investir. O resto é uma
complementaridade de factores que a temos de responder.
Sentem-se na condição de estar a gerar uma vida, quando concebem um
edifício?
Sentimo-nos
a responsabilidade de influenciar vidas das pessoas, quando estamos a
desenvolver o nosso trabalho. Certamente. E essa é uma das responsabilidades
mais difíceis, porque a arquitectura afecta a vida das pessoas em muitos
aspectos e todos os dias.
E isso passa, necessariamente, em sonhar o que as pessoas não
conseguiram.
É bem dito.
É exactamente isso. Gostaríamos de ser capazes de realizar os nossos sonhos dos
clientes.
Tem um projecto para a Praça da Independência,
que venceu um concurso público em 2011. O que vê, quando contempla aquele
espaço?
Olho para
aquele espaço com tristeza, muita, porque o que lá está é o pior que poderia
estar. Aquela praça é um desastre urbano, tanto esteticamente como em termos de
circulação automóvel. Sobretudo, é um espaço deserto, vazio, inóspito e que não
oferece nada à cidade. E foi isso que, dentro das condições que nos impuseram,
tentamos responder, a essa série de aspectos negativos, pensando num projecto
de praça que fosse acolhedora, fresca e tanto quanto fosse possível verde,
enquadrando a figura de Samora Machel, que está agora ali posta, no sítio
errado e com altura errada. E aquele deveria ser o espaço que mais
caracterizaria a sala de visita da cidade. É pena estar no estado em que se
encontra.
Perfil
José
Forjaz nasceu em 1936, em Coimbra (Portugal). Veio ao país muito jovem, e
trabalhou como arquitecto Pancho Guedes. Mais tarde, obteve o diploma de
Master of Science in Architecture na Universidade de Columbia, em Nova York (EUA). Entre 1975 e 1985, foi Conselheiro do Ministro das Obras
Públicas e Habitação e Secretário de Estado do Planeamento Físico. Foi
professor convidado das universidades italianas, portuguesas e norte-americanas. É fundador da Faculdade de Arquitectura e
Planeamento Físico da UEM, onde lecionou. É titular do escritório José Forjaz
Arquitectos e conta com dezenas de projectos: residências de embaixadores e
chefes de estado, pólos universitários e culturais, Campus da Universidade de
Botswana e Suazilândia, o Parlamento Pan-Africano, na África do Sul.
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