O estímulo para esta tentativa de discussão retribuo eu em primeiro plano a
Paulina Chiziane, e ao meu encontro que tive com a sua última Obra.
De que é que se trata nesta, por vezes muito polémico e emocional debate a
volta de valores? Eu gostaria imediatamente de apresentar uma exigência, que
não trata de uma tese, é apenas uma simples provocação.
Vivemos imersos num mundo de rotinas e de hábitos. Vivemos fazendo coisas
atrás de coisas; servimo-nos de todo o tipo de meios e de instrumentos para
realizarmos as nossas acções. A vida no seu quotidiano é vivida como sucessão
de coisas a fazer e, enquanto tudo vai correndo desta forma que automatizada,
não surge a necessidade sobre ela.
Geralmente, não passamos a vida a dar voltas ao que nos convêm, ou não nos convêm
fazer. E se quisermos ser sinceros, teremos que reconhecer que fazemos a maior
parte dos nossos actos quase que automaticamente, sem nos preocuparmos
demasiado com certos assuntos. Tomemos exemplo; queres fazer-me o favor de
recordares comigo o que fizeste desde o despertar?!... E porque haveríamos de
pensar sobre tudo que fizemos?!...
Sem medo de errar; a rotina e os hábitos são essências na vida; isso
ninguém duvida. São tão importantes como o sono e, como estes, uma forma de
descanso. No entanto, a vida não reduz ao fazer nem tem uma dimensão
exclusivamente “executória” e, para além de fazermos o que temos que fazer,
como pessoas temos também necessidades de satisfação, de sentir o sabor
(prazer) da vida e de o sentir como algo que o preenche, que lhe causa
bem-estar, que lhe proporcione a felicidade.
Então, numa palavra, ao homem não lhe basta viver, ele tem necessidades que
a vida tenha sentido de viver uma vida com sentido. E, essa necessidade para
que seja tão vital do que qualquer outro ponto de ausência de sentidos, o
absurdo e o desespero poder culminar no suicídio.
Porque a exigência de sentido da pergunta sobre os valores? Veja bem;
a vida do homem não é ser vivida repetindo os padrões da espécie; é ele
próprio. Ou seja, cada um de nós é quem deve viver. Sendo assim, o homem é o
único animal que pode estar aborrecido, que pode estar enjoado, que pode
sentir-se excluído.
Na verdade, o homem é um ser que não se resigna à insatisfação de uma vida
sem sentido, tem sede de realizar suas ambições, em meio, se dispõe a lutar
incessantemente por uma vida mais condigna, assumida e plena, mesmo que isso
tenha de cortar com as amarras dos hábitos, do já pensado e das rotinas e de
declarar guerra ao que, sob a forma de anónimo, do aparente natural e do impessoal,
lhe corta, afinal, a criatividade, a liberdade, a vontade de se afirmar como
alguém que tem palavra a dizer, que se quer fazer ouvir e que teima em cultivar
uma relação de apreço pela autonomia e de respeito por si próprio.
É assim que, a insatisfação com todo que ocorre em nosso redor, e
desestabilizadoras da sua relação habitual conduz à reflexão. Destarte, através
da reflexão somos levados a dar novas configurações ao que nos rodeia, a rever
ideias sobre as quais nunca tínhamos pensado, a reavaliar convicções sobre as
quais nunca nos tinham surgido dúvidas.
Na verdade, o problema da reflexão só se põe como tal porque todo o
desenvolvimento social, tende à desconcentração do ser humano para fora de si,
procurando evidenciar a inutilidade da actividade reflexiva sobre qualquer das
suas formas.
Será que valores são perenes? Ou seja, independente do tempo, espaço e dos
seres humanos concretos que os realizam? Ou, pelo contrário, dependem das
épocas dos homens e das culturas? De modo geral, existem defensores de uma e de
outra posição.
Certamente, a questão permanece em aberto, e do mesmo modo, e se
reflectirmos sobre os padrões morais das diferentes épocas e das diferentes
sociedades chegamos às mesmas conclusões. Note-se que; ao descrevermos os valores
não podemos esquecer nem o sujeito, nem o objecto nem o ideal que dirige a
acção. De certo, estes três elementos são associados e nenhum se da sem os
outros.
Tanto que, os debates que se tem consumido na questão de saber qual dos
três é o elemento mais importante revelam-se bastante acesos e por vezes com
alguma inanidade sendo que; não podemos falar de valor em si. O dever de ser
valor depende da relação que, numa situação, coloca um sujeito perante o
objecto.
Você vê, reconhecemos, no ponto anterior, a estreita dependência dos
valores das épocas e das sociedades que os enraízam. Mas neste caso, urge
perguntar qual a origem dos valores? Quais os motivos estão do seu surgimento?
Aí interrogamo-nos sobre a genealogia (origem) dos valores o que se pretende
é, uma reflexão bem mais ampla, e, ambiciosa de discutir não a crise dos
valores mas, muito mais que isso é a mutação (modificação); ou seja, não existe
uma área da manifestação da actividade humana nos dias que hoje correm;
passando pelas artes, mentalidades, cultura, nos costumes, na política enfim…as
pessoas hoje estão passando por uma mutação radical isso, talvez puxado pela
tecnociência (junção entre a imaginação e conhecimento).
Então, estamos agora em condições de compreender melhor o sentido da questão.
Não existem uma moral universal, o que significa que os valores são relativos
(que não é tomado em sentido absoluto) e cambiáveis como também estão pois
ligados às condições de existência das pessoas, justificam as suas hierarquia e
os seus mecanismos mudam quando essas condições de existência também mudam, uma
vez que, os valores têm um sentido histórico/antropológico e não estão
constituídos de uma vez por todas.
Sendo assim; qual pode ser o sentido deste desdobramento da questão em
análise?
É já neste contexto que; a crise e crítica, tem origem comum no verbo grego
que significa separar, escolher, julgar, decidir. O uso das palavras crino e
crisis cedo invadiu a linguagem jurídica e por isso, crisi além de significar
separação e disputa, designou também a decisão no sentido de uma sentença, de
um juízo definitivo por Aristóteles, na política vinculou a ideia de
estabelecimento e constituição e de ordem.
Desde Platão, verificou-se o uso da forma adjectiva ‘critica’, que referida
à capacidade e à arte de decidir e de descobrir o juízo adequado, tendo ligado
o seu sentido à ponderação dos argumentos «pró e contra» à actividade
deliberativa.
De modo que, a crise de valores significa que, os valores estão ser objecto
de análise, estão sendo submetidos a uma espécie de tribunal ao qual competirá
“julgar” os argumentos «pró e contra», para dai poder “decidir”sobre
a sua adequação.
Destarte, a ordem e funcionamento das sociedades dependem desta avaliação,
desta “deliberação” e é nesse sentido que podemos usar o termo
crise. Ou seja, a crise não significa, assim, o anunciou de um estado de coisas
escandalosas de dimensões épicas em que tudo se encontra completamente
desencaminhado, quer nas instituições e nos valores. Mas, se prestarmos atenção
ao seu sentido etimológico (origem) você vê, que a acepção desfruta na verdade
um sentido positivo. Quer dizer, trata-se de uma reavaliação criadora e
prospectiva (sobre futuro), de um momento de reformulação em que, se questionam
adequação e o funcionamento de alguns modelos de convivência social, para dai
melhora-los, reformula-los, ou, se necessário substitui-los por outros que se
considerem ou, se julguem os melhores.
Então, a crise na verdade, não é sinónimo de desnorte mas, da busca
racional (ponderado/sensato) de «pesados os prós e os contra» e de
orientação; não significa estagnação mas, é antes um pressuposto necessário de
toda evolução (progresso).
Afirmar que vivemos em crise de valores, isto quer dizer que, os valores
existentes são questionáveis, de modo a tornarem-se capazes de responder às
nossas exigências da sociedade actual prenhe de incertezas. Nos casos os
próprios bons, os homens distintos, os poderosos, os superiores que julgaram
boas as suas acções isto é, estabelecendo esta nomenclatura por oposição a tudo
o que é baixo, mesquinho, vulgar e, até vilão (desprezível).
Destarte, dada sua importância, importa compreender se os valores que nos
sustentam hoje no país desenvolvem se, ou, se pelo contrário, atrofiam a
sociedade? Adivinha agora você, a resposta a questão, se os valores são um
factor de desenvolvimento ou de desdesenvolvimento ou, de atrofia da sociedade?
Você vê; uma análise profunda da nossa sociedade, monstra que de facto, a
palavra crise parece ter-se instalado em todos campos da manifestação da
actividade: ouve-se falar de crise na educação e no ensino, na crise das
ideologias, na política e dos valores, na crise social e cultural, na crise
ética e moral, na crise no funcionamento das instituições e sua liderança.
Enfim… O problema não é mais conhecer o que é crise, mas, transformar essa
crise através da transmutação de valores.
Naquele lugar, urge reanalisa-los e reformula-los esses valores ou, se
necessário como diria Nietzsche, reinventar novos valores, que substituam com
outros para que, se erga o individuo livre (criador) o Super-Homem como o
chamar-lhe-á.
n/b: As más notícias são um facto nos dias que hoje correm no país. Você
vê, cada vez que abrimos um jornal, ligamos a televisão ou o rádio, somos
confrontados com informações tristes. Não há um só dia, que passe sem que
nalguma parte do país, aconteça algo que todos consideramos como uma desgraça.
Não importa de onde vimos nem qual é a nossa forma de pensar, todos nos
sentimos tristes, uns mais, outros menos, quando ouvimos falar do sofrimento
(dor) alheio, pela perda de pai, irmão, marido enfim... Nós moçambicanos todos,
não podemos partir do princípio como acontece, que as pessoas não têm noção do
bem e do mal (maniqueísmo) ou, do que é moralmente correcto, só porque alguns
mentirosos se acham imortais.
Não é para faltar respeito. Uma pessoa que cumpre ordens sumárias de
executar outra pessoa, acreditando que se trata de uma causa justa, supondo que
essas acções são para o bem da sociedade, é simplesmente aterrador. Pelo
contrário, de acordo com o princípio da não-violência, matar o outro é, por
definição um acto contrária à ética.
Destarte, cumprir esse tipo de ordem é um comportamento extremamente
negativo; uma vez que, o conteúdo das nossas acções também é importante para
determinarmos se são moralmente correctas ou não e, certos actos como matar são
negativos por definição.
Na verdade, para que exista alguma esperança de resolver os nossos
problemas temos de encontrar formas ou (meio-termo) de o fazermos. Temos de ter
meios para escolher por exemplo, entre as matanças como meio de reforma
política e os princípios de Nelson Mandela sobre a tolerância política.
Naquele lugar,
devemos nós moçambicanos todos, poder transformar, que a violência para com os
outros está errado. Do mesmo modo, não podemos discriminar entre o certo e
errado se não tomarmos em linha de conta os sentimentos dos outros e, os seus
sofrimentos.
Pelas mesmas
razões; a conservação da vida e todos moralistas, de que faço parte, condenam e
proíbem o recurso ao homicídio (morte) como forma de resolução de divergências
(desacordos). Na verdade, o homicídio é um crime grave contra a sociedade e
contra Deus. Contra a sociedade, porque assim se priva do melhor da pessoa, que
muito embora a vida seja cheia de sacrifícios, não só… mas também, porque lhe
arranca um dos seus membros que lhe poderia ser útil; finalmente, contra Deus,
porque o homem, ao executar (matar) o outro arvora-se num direito que não tem,
visto que só Deus é o senhor da vida.
Destarte, somos
chamados todos nós mocambicanos, a usar da temperança, isto é, moderarmos os
nossos impulsos das tendências sensíveis e não as satisfazer senão na medida em
que, são conforme à razão.
Do mesmo modo, a
conservação da vida e todos moralistas, condenam e proíbem, qualquer tipo de
agressão mais ou menos grave, que ponha em perigo a vida ou mesmo a saúde do
próximo. Exceptuando os casos de legítima defesa, quando agredidos pudermos
salvar a nossa vida, senão sacrificando a vida do agressor.
O duelo ou
combates com arma em punho, para ferir ou matar. O duelo ou combate com arma em
punho, encerra a maldade e a morte. A mutilação, ou a privação de um membro de
corpo; esta só é legítima, quando se trata de operações cirúrgicas para bem do
todo.
Em último lugar,
a conservação da vida e todos moralistas, condenam a calúnia, maledicência, a
injúria e tudo o que possa subtrair a honra e a boa reputação do próximo.
Muito Obrigado.
(Por Capitão Manuel
Bernardo Gondola)
Nenhum comentário:
Postar um comentário